Por Marcelo de Paula Corrêa – Instituto de Recursos Naturais, da Universidade Federal de Itajubá
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Introdução
O sol emite radiação eletromagnética (RE) em diferentes comprimentos de onda e é a principal fonte de energia da Terra. O comprimento da onda eletromagnética define as principais características da mesma e, também, a forma como a RE interage com o ser humano. Enxergamos pois nossos olhos são sensíveis às RE cujos comprimentos de onda variam entre 400-780 nm , denominada radiação visível. Porém, a maior parte da radiação emitida pelo sol não sensibiliza os olhos da mesma forma e, portanto, não conseguimos enxerga-la. Por exemplo, a radiação ultravioleta (R-UV), cujos comprimentos de ondas vão de 100 a 400 nm, corresponde a menos de 5% do total da radiação solar que chega à superfície terrestre. Apesar de não enxergarmos a R-UV, ela é responsável por uma série de interações fotobiológicas importantes relacionadas à saúde humana. Essa pequena faixa de RE é subdividida, segundo recomendação da Comissão Internacional de Iluminação (CIE), em: R-UVC, entre 100 e 280 nm; R-UVB, entre 280 e 315 nm; e R-UVA, entre 315 e 400 nm. A R-UVC não atinge a superfície terrestre, pois é completamente absorvida pelo oxigênio e ozônio presentes na estratosfera. A R-UVB é fortemente absorvida pelo ozônio e também sofre atenuação por aerossóis e nuvens, atingindo a superfície em pequenas quantidades. A R-UVA corresponde a maior parte da R-UV em superfície, pois sofre fraca atenuação pelo ozônio (Sliney, 2007; Corrêa, 2015).
Desde sua identificação em meados do século XIX, a R-UV é associada a diferentes efeitos fotobiológicos. Em especial, sobre os seres humanos, a R-UV é mais conhecida pelos seus efeitos nocivos sobre a pele, tais como o desenvolvimento do eritema, fotoenvelhecimento e diferentes tipos de cânceres; e, pelo seu principal efeito benéfico, a síntese de vitamina D. No entanto, a interação da R-UV com os seres humanos também está associada ao sistema imunológico e à saúde dos cabelos e dos olhos.
Em relação aos olhos, além da possibilidade dos cânceres de pálpebra, estudos mostram que o cristalino transmite muito pouca R-UV para a retina e que a eficiência dessa proteção varia com a idade e o grau de amarelamento dessa lente. Conforme mostra a figura 1, as diferentes estruturas do olho humano absorvem a R-UV de modo distinto para os diferentes comprimentos de onda que compõem essa banda de radiação eletromagnética.
Figura 1: Absorção da RUV pelos diferentes elementos do olho humano. Adaptado de Sliney e Wolbarsht, 1980.
Os efeitos da absorção da R-UV pelos olhos podem ser separados em dois grupos. O primeiro está relacionado às intensas quantidades de radiação em exposições de curta duração. Por exemplo, uma pessoa sem o uso de lentes adequadas para proteção em regiões com neve. Nesse tipo de superfície, altamente refletora de radiação, a exposição em um dia ensolarado pode provocar efeitos agudos sobre os olhos. Nesse caso, os elementos que mais sofrem são a córnea e a conjuntiva, com episódios de fotoceratite e fotoconjuntivite, respectivamente. As manifestações são agudas e surgem após um período de latência. O segundo tipo de efeito é aquele relacionado às longas exposições a intensidades relativamente menores de radiação. Nesse caso, geralmente é o cristalino e a retina que são mais atingidos e as enfermidades associadas são as cataratas, o pterígio e alguns tipos de carcinomas.
Muitos estudos mostram forte associação entre a R-UV, em especial à R-UVB, e a catarata cortical. No entanto, estudos mais recentes mostram grande interesse no potencial danoso da R-UVA, principalmente relacionando-a ao desenvolvimento da catarata nuclear (Löfgren, 2017). Outro estudo mostra que a acumulação de material de apoptose é prejudicial para células e as lentes que, assim como outros tecidos, tem sistemas para limpeza desse material. As células epiteliais do cristalino têm capacidade fagocitária, mas essa função pode ser perdida após a exposição à R-UVA. Essas descobertas indicam que o acúmulo desses detritos tóxicos tem papel importante no desenvolvimento da catarata (Chaus et al., 2015). Há, atualmente, grande necessidade de estudos mais aprofundados que relacionem os efeitos das R-UVA e R-UVB.
O problema cresce de importância quando atentamos para a epidemiologia da catarata. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2014 foram registrados cerca de 95 milhões de deficientes visuais devido à catarata. A doença é a principal causa de cegueira, principalmente em países mais pobres, onde responde por mais de 50% dos casos de grave deficiência visual. Até 2020 serão realizadas cerca de 30 milhões de cirurgias anuais para correção da catarata (Liu et al., 2017). Outro estudo mostra que do total de 32,4 milhões de cegos e 191 milhões de deficientes visuais no mundo em 2010, 10,8 milhões de pessoas eram cegas e 35,1 milhões eram deficientes visuais devido à catarata. Isto é, essa enfermidade causou 33,4% de toda a cegueira em todo o mundo e 18,4% de todas os comprometimentos moderado a grave da visão. Esses números foram menores nas regiões de alta renda (<15%) e superiores (> 40%) no sul e sudeste da Ásia e Oceania. Apesar das grandes melhorias em termos de redução da prevalência, a catarata continua sendo um grande problema de saúde pública (Khairallah et al., 2015).
Os problemas vão muito além das consequências físicas, pois o impacto socioeconômico provocado pelas sequelas da catarata e de outras doenças relacionadas à R-UV é severo para a sociedade e, principalmente, para o indivíduo que, provavelmente, será prejudicado em suas atividades cotidianas e laborais. Outro fator relevante é a idade, pois a prevalência da catarata cresce com o envelhecimento, variando de 3 a 9%, para indivíduos entre 55 e 64 anos, a 92,6%, para indivíduos com mais de 80 anos. Além disso, a presença da doença está associada ao aumento da mortalidade e, esta associação, pode estar relacionada à relação entre a catarata e condições sistêmicas como o tabagismo e o diabete mellitus tipo 2 (Liu et al., 2017).
Como já apontado, essa preocupação é ainda mais relevante nos países mais pobres, localizados principalmente na América do Sul, África e sudeste asiáticos. He e colaboradores (2015) mostraram que, levando-se em consideração o tamanho e a estrutura da população, a Índia, a África e os países da América do Sul tiveram os DALY (Disability Adjusted Life Years do inglês, anos de vida perdidos ajustados por incapacidade) mais pesados em relação à catarata. Diante dos impactos socioeconômicos e das evidências científicas que associam a R-UV às doenças oculares, é fundamental analisar o problema no contexto brasileiro.
Por estar localizado em regiões tropicais e subtropicais, o Brasil é um país que recebe muito sol e, portanto, altos níveis de R-UV em praticamente todas as regiões e em todas as épocas do ano (Corrêa e Ceballos, 2010; Corrêa e Pires, 2013; Corrêa, 2015; Silva et al., 2018). A elevada incidência de cânceres de pele no país é o principal reflexo da exposição da população a essa grande quantidade de R-UV. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), os cânceres de pele representam cerca de 1/3 do total de novos casos de câncer diagnosticados anualmente no país. É importante notar que esses números são um subdiagnótico, uma vez que os cânceres de pele mais comuns, do tipo não-melanoma, não têm registro obrigatório. Diante desse quadro crescente e alarmante de casos da doença, a Sociedade Brasileira de Dermatologia publicou o Consenso Brasileiro de Fotoproteção para estabelecer recomendações adequadas à realidade brasileira (Schalka et al., 2014).
Essa premissa é fundamental estabelecer uma relação entre os níveis de R-UV observados no Brasil e a saúde dos olhos dos brasileiros. Neste trabalho é traçado um panorama sucinto sobre a incidência da R-UVA e R-UVB em diferentes partes do país, destacando-se principalmente as regiões urbanas e de alta densidade populacional. Além disso, são avaliadas as situações de maior risco para os olhos e, de modo sucinto, quais são as vantagens do uso da lente de contato em relação aos óculos convencionais.
A radiação solar ultravioleta e seus efeitos fotobiológicos
O espectro de ação fotobiológica (EAF) representa a eficácia biológica da radiação incidente, em função do comprimento de onda, com vistas a fornecer informações fundamentais sobre o problema estudado. Como exemplo, a figura 2 mostra diferentes espectros de ação relacionados aos olhos e pele humanos.
Figura 2: Espectros de ação fotobiológica para fotoconjuntivite, fotoceratite, catarata (em porcos), danos em células epiteliais de cristalinos (em coelhos) e eritema (avermelhamento da pele em humanos).
Por exemplo, a curva verde na Figura 2 mostra um estudo que investigou o espectro de ação para a morte de células epiteliais do cristalino em seis diferentes comprimentos de onda na região solar UV (Andley et al., 1994). Esse estudo conclui que a morte celular em cristalinos foi mais eficiente para R-UV no comprimento de onda de 297 nm. A eficiência da radiação para a morte celular nesse comprimento de onda foi 7 vezes maior do que em 302 nm e 170, 340, 560 e 2000 vezes mais eficaz na eliminação de células do que as radiações em 313, 325, 334 e 365 nm, respectivamente. Esse espectro de ação tem forma semelhante ao espectro de absorção de DNA na região UVB, sugerindo que o DNA pode ser um dos alvos críticos para danos às células. Em comprimentos de onda superiores a 313 nm, a forma do espectro de ação desviou-se do espectro de absorção do DNA. Note, também, que para qualquer dos EAF a R-UVB é muito mais eficiente em provocar danos do que a R-UVA. No entanto, essa última representa entre 95 e 100% do total de R-UV que atinge a superfície terrestre e, portanto, não pode ser desprezada.
Apesar de este informe discutir os efeitos sobre os olhos, os dados de R-UV e seus impactos sobre a saúde fazem referência à representação do EAF para o eritema. O EAF para o eritema é o mais difundido, usado como ferramenta de divulgação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e mostra-se adequada para avaliar os impactos sobre a saúde, uma vez que as EAF são semelhantes quanto aos efeitos da R-UVB (280-315 nm) e R-UVA (315-400 nm) sobre os seres humanos.
Para falar de R-UV ao público leigo, a OMS adotou o Índice Ultravioleta (IUV) como padrão de referência (https://www.who.int/uv/intersunprogramme/activities/uv_index/en/). O IUV é uma escala adimensional, de fácil interpretação da resposta eritêmica, e está associada aos possíveis danos à saúde, conforme mostra a tabela 1. O índice tem sido tema de discussões contínuas para harmonizá-lo como forma de comunicação e instrumento educativo para proteção solar. Essa escala de valores está relacionada aos fluxos de R-UV biologicamente ativos que induzem à formação de eritema na pele humana (curva violeta tracejada na Figura 2), denominada irradiância eritêmica. O cálculo é dado pelo produto entre os fluxos espectrais de R-UV e o EAF correspondente a esses efeitos fotobiológicos sobre a pele humana. Basicamente é a soma ponderada dos efeitos que cada comprimento de onda da R-UV exerce sobre a pele humana. Cada unidade de IUV representa 0,025 Wm-2de irradiância eritêmica.
Como mostrado na Figura 2, os EAF podem representar quaisquer efeitos, benéficos ou nocivos, à saúde. No entanto, não existem índices de R-UV específicos para os danos oculares. Como os EAF têm comportamento semelhante, isto é, indicam que os tecidos dos mamíferos são muito mais sensíveis à R-UVB do que à R-UVA, utilizaremos o IUV para estimar a relação entre os fluxos de R-UV no Brasil e os possíveis danos aos olhos da população brasileira.
A radiação solar ultravioleta no Brasil
Quando o assunto é o sol tendemos a associar a exposição aos momentos de lazer, na praia ou na piscina. Porém, esse é um paradigma a ser quebrado uma vez que a intensidade de radiação solar observada nas cidades e centros urbanos brasileiros tende a ser semelhante àquela das praias. Por exemplo, aproximadamente 60% das medidas de IUV registradas, entre as 11 e 13 horas durante o verão, na cidade de São Paulo têm classificação IUV muito alto (IUV entre 8 e 10) ou extremo (IUV > 11). Essas classificações também foram observadas em 45% das medidas no outono, e em quase 30% daquelas realizadas na primavera. Nesse período de medições, foram registrados valores de IUV superiores a 15 em alguns episódios (Corrêa e Ceballos, 2010). Isto é, a megalópole paulistana recebe quantidades bastante elevadas de R-UV durante praticamente todo o ano e, por vezes, superiores àquelas observadas em estâncias litorâneas do nordeste brasileiro.
O território brasileiro está localizado, em sua maior parte, em regiões tropicais e subtropicais do planeta onde a irradiação solar é mais intensa e, portanto, é comum verificarmos R-UV é elevada em todo o país. As doses acumuladas diárias de R-UV são, em média, mais altas no Nordeste brasileiro. No entanto, devido à inclinação do planeta e à posição geográfica, as doses máximas observadas no país são registradas na região Sudeste durante os verões. Em 5% dessas medidas, as doses acumuladas de irradiâncias eritêmica observadas no Rio de Janeiro ou em São Paulo ultrapassaram os 6000 Jm-2. Isto é, mais de 24 vezes a dose eritematosa mínima (DEM) necessária para provocar avermelhamento da pele em um indivíduo de pele mais sensível que, em geral, não se bronzeia e só se queima (fototipo II Fitzpatrick, 1986). Essa mesma dose é cerca de 13 vezes superior àquela necessária para causar o mesmo efeito em um indivíduo de pele morena (fototipo IV) que, em geral, não se queima, mas só se bronzeia ao se expor ao sol (Corrêa e Pires, 2013). Esse mesmo estudo mostra que no inverno também são observadas quantidades acumuladas elevadas de R-UV. Nessa estação do ano o IUV pode superar em mais de duas de dezenas de vezes a dose diária recomendada pela OMS. Isto é, episódios de grande intensidade de radiação não deixam de ser notados mesmo no inverno.
As doses elevadas de R-UV eritêmica podem ser observadas mesmo em horários comumente considerados como seguros para a exposição. Por exemplo, em alguns episódios de medidas realizadas durante o verão, foram registradas doses de até 660 Jm-2 até às 10 horas da manhã na cidade de São Paulo. Considerando que a DEM para indivíduos fototipo II é 250 Jm-2, nessa situação, um indivíduo exposto antes das 10 h da manhã poderia receber aproximadamente 2,6 vezes a quantidade mínima de radiação para desenvolver eritema. No caso de fototipo IV, essa dose seria 1,5 vez superior à DEM de 450 Jm-2, indicando riscos à saúde mesmo em indivíduos com peles mais resistentes aos danos provocados pela R-UV (Corrêa e Pires, 2013).
Para complementar essa breve análise, é importante discutir a influência das nuvens sobre os fluxos de R-UV. As nuvens são, em geral, boas atenuadoras da R-UV e é comum que as pessoas ignorem a fotoproteção em dias com nebulosidade. No entanto, alguns tipos, tais como nuvens Altocumulus, Altostratus, Cumulus e Cumulostratus (figura 3), podem intensificar os fluxos de R-UV em até 45% a mais do que aqueles que seriam esperados para uma condição de céu claro. Em particular, as nuvens Cumulus, típicas em dias de verão, são muito brancas e brilhantes e podem intensificar de modo significativo as doses de R-UV recebidas em curtos intervalos de tempo (Silva et al., 2018).
Figura 3: Tipos de nuvens – Altocumulus (alto à esquerda), Altostratus (alto à direira), Cumulus (baixo à esquerda) e Stratocumulus (baixo à direita). Fonte: International Cloud Atlas, World Meteorological Organization (https://cloudatlas.wmo.int).
Esses estudos permitem concluir que a disponibilidade de R-UV no Brasil é muito elevada, tanto no verão como no inverno. Os fluxos de R-UV podem ser intensos mesmo em dias com nuvens e horários geralmente considerados como seguros. Tendo em vista que os efeitos da R-UV são cumulativos e que, em paralelo, temos elevada incidência de cânceres de pele no país, deduz-se que há forte potencial para condições que ofereçam efeitos deletérios aos olhos e incremento de doenças oculares correlacionadas à exposição ao sol.
Radiação UVA e UVB
Conforme já observado, é consenso científico que a R-UVB é danosa ao ser humano e que, atualmente, boa parte dos estudos e do interesse científico volta-se aos efeitos da R-UVA. Também já foi dito que a R-UVA corresponde a quase totalidade da R-UV que chega à superfície da Terra. No entanto, é possível verificar que mesmo em pequenas quantidades, a R-UVB tem um papel preponderante nos efeitos fotobiológicos sobre os seres humanos.
A figura 4 mostra a composição relativa, em termos de R-UVB e R-UVA, da R-UV que chega à superfície terrestre nas diferentes estações do ano. Nessa simulação para a cidade de São Paulo foi utilizado um modelo de transferência radiativa (Madronich e Flocke, 1997) e foram considerados os seguintes aspectos: i) céu claro sem nuvens; ii) hora do meio-dia local; iii) dias de solstícios de verão (21/12) e inverno (21/6) e equinócios de outono (21/3) e primavera (21/9); iv) valores médios de conteúdo de ozônio, observados entre 2004 e 2018; v) perfis verticais atmosféricos típicos dessa região.
Figura 4: Distribuição relativa (%) das radiações UVB (280-315 nm) e UVA (315-400 nm) em relação ao total de R-UV que atinge a superfície da cidade de São Paulo nos equinócios e solstícios. As barras verticais listradas mostram a R-UV solar e as barras com cores sólidas mostram a R-UV ponderada pelo EAF do eritema (R-UVE). As cores mais escuras indicam a R-UVB e as mais claras a R-UVA.
Nessa simulação realizada para a cidade de São Paulo, a R-UVB representa entre 2,7 e 3,5% do total de R-UV no inverno e verão, respectivamente. Considerando que os cálculos foram realizados para o meio-dia solar, a fração da R-UVB é menor em outros horários do dia, tendendo a zero nos horários do nascer e ocaso. Além disso, essas frações podem ser ainda menores na presença de poluição e nuvens e podem variar em função do conteúdo de ozônio na atmosfera. Por outro lado, o percentual de R-UVB pode ser maior em localidades mais próximas do equador, mas raramente é maior que 7 ou 8% do total de R-UV.
Porém, quando se leva em conta a ponderação do EAF para o eritema essa relação muda de figura. Neste caso, a porção UVB do espectro corresponde a 73,1%, no inverno, a 78,9%, no verão, da R-UVE. A R-UVA também responde pela formação do eritema de modo significativo, entre 26,9 e 21,1% respectivamente. Esse resultado é um indicativo que a R-UVB é preponderante nos efeitos nocivos causados à pele e aos olhos, mas a R-UVA também tem papel significativo, uma vez que a resposta fotobiológica do eritema tem comportamento semelhante àquelas apresentadas para enfermidades oculares.
Por fim, é importante notar que o conteúdo de ozônio varia sazonalmente e de modo bem-comportado sobre o território brasileiro e não há perspectivas de que haja variações significativas no decorrer desse século (Moraes et al., 2019). Assim, os fluxos de R-UV não devem sofrer alterações relevantes no século XXI e, com as perspectivas de queda de natalidade e envelhecimento da população, há um forte potencial de aumento de doenças relacionadas ao excesso de exposição à R-UV, incluindo aí as afecções dos olhos.
Como proteger os olhos? Lentes de contato ou óculos de sol?
Os óculos de sol não bloqueiam totalmente a R-UV e devem ser combinados com meios adicionais de proteção. Além disso, a eficácia da proteção é fortemente influenciada pela geometria, posição de uso, posições da cabeça e condições de exposição. As reflexões da radiação na parte interna das lentes e armações que não cobrem adequadamente os olhos permitem a entrada de parte da R-UV incidente (Backes et al., 2018). Uma fração importante da R-UV que incide nos olhos pode ser explicada pela reflexão da radiação solar na parte de trás das lentes para o olho. Além disso, os revestimentos antirreflexos usualmente utilizados aumentam consideravelmente a reflexão da R-UV. A preocupação com a saúde dos olhos levou alguns pesquisadores a propor o uso de um fator de proteção solar para os olhos (E-SPF). Similar ao FPS comumente encontrados em protetores solares, mas ainda pouco difundido, o E-SPF leva em consideração não só a qualidade dos óculos, mas também a geometria, posição do sol, dentre outros fatores relevantes (Behar-Cohen et al., 2013).
Esses mesmos estudos sugerem a necessidade de pesquisas mais aprofundadas e de longo prazo sobre a eficácia dos óculos de sol para a proteção dos olhos. Além disso, destacam o desenvolvimento das lentes de contato desenvolvidas com materiais absorvedores de R-UV que, além de serem eficazes na fotoproteção, eliminam o problema das reflexões de radiação solar na parte interna dos óculos. Estudos epidemiológicos recentes realizados em trabalhadores também sugerem que a exposição diária à radiação solar infravermelha pode estar associada à maior prevalência de catarata relacionada à idade. Ressaltam que não se pode excluir que este efeito se deva a maior taxa de desnaturação induzida termicamente, mas que a proteção adequada pode minimizar esses efeitos (Söderberg et al, 2016). Sendo assim, a maior parte dos autores destaca a possibilidade de uso combinado de lentes de contato com os óculos de sol como os métodos mais eficazes de proteger os olhos e as pálpebras.
Outros tópicos relacionados à saúde dos olhos: a luz azul, exposição às fontes artificiais e a degeneração macular relacionada à idade
Desde os anos 1970 sabe-se que a luz azul é fototóxica aos olhos (Ham et al., 1976). Essa ação fototóxica se estende por todo o espectro de luz visível, mas é predominante entre as bandas azul-violeta do espectro, entre 415 e 455 nm. Por essa razão, a Comissão Internacional sobre Proteção à Radiação Não-Ionizante (ICNIRP, do inglês: International Commission on Non Ionizing Radiation Protection) recomenda, em suas diretrizes sobre os limites da exposição à radiação visível e infravermelha, que a radiância ou dose efetiva de luz azul deve ser limitada para proteção da retina contra fotorretinopatia aguda induzida fotoquimicamente (ICNIRP, 1997).
Como vimos, para que uma determinada condição de exposição possa ser avaliada, o espectro de luz deve ser medido e o valor, em cada comprimento de onda, deve ser ponderado pela resposta fotobiológica (EAF) relevante a esse comprimento de onda. Esses valores ponderados são somados para que a comparação com o limite de exposição da diretriz seja possível. As diretrizes da ICNIRP apontam que não são necessários cuidados específicos para fontes de luz branca de luminância inferior a 104 cd m-2. Essa regra leva em conta a proporção de luz azul provavelmente contida na luminância total da fonte. Segundo o Manual do PROCEL (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), “a luminância se refere a uma intensidade luminosa que atinge o observador e que pode ser proveniente de reflexão de uma superfície ou de uma fonte de luz ou, simplesmente, de um feixe de luz no espaço. Em linguagem coloquial, é o brilho de um objeto que pode ser percebido pelo olho humano.” (PROCEL, 2011).
O estudo de OHagan e colaboradores (2016) mostra que monitores de computador e telas de laptops, tablets e smartphones, mesmo ajustados para emissão de brilho máximo, emitem luminâncias muito inferiores (< 5%) aos 104 cd m-2 definidos pela ICNIRP. O mesmo vale para a iluminação natural e para a maioria das lâmpadas, incandescentes, fluorescentes, dicroicas ou LED, de uso doméstico. Esse estudo ainda mostra que a comparação de exposições naturais com a exposição razoavelmente previsível à radiação óptica de lâmpadas, telas de computadores e dispositivos móveis, como smartphones, mostra que a irradiância real ponderada espectralmente é mais baixa que as exposições à radiação solar natural. Em geral, mesmo sob condições extremas de observação a longo prazo, nenhuma das fontes luminosas avaliadas nesse estudo sugeriu preocupação com a saúde pública. A pior fonte avaliada consistiu em três LEDs indicadores, que provavelmente não seriam visualizados de perto por tempo suficiente para causar preocupação.
Outro estudo, realizado com ratos expostos a lâmpadas LED de alta intensidade por sete dias ininterruptos, mostrou que o fotodano da retina causado por uma fonte de luz convencional pode se tornar crônico se a exposição for a fontes de alta intensidade luminosa e longa o suficiente (Vicente-Tejedor et al., 2018). Esse estudo também mostra que o uso de filtros bloqueadores de luz azul pode aliviar significativamente a perda funcional das células fotossensíveis da retina e podem ser, portanto, um mecanismo eficaz para a proteção de patologias oculares.
É importante ressaltar que a porcentagem de transmissão de luz azul da superfície da córnea para a retina está relacionada à idade, pois a transmissão de radiação é maior em crianças do que em adultos. Isso reforça a necessidade de proteção em indivíduos mais jovens. Além disso, o efeito cumulativo da exposição à radiação solar ou artificial deve ser levado em consideração em enfermidades dos olhos. Por exemplo, o estresse foto-oxidativo, particularmente causado pela RUV, mostra-se um fator importante em processos relacionados à saúde ocular. Estudos indicam que esse tipo de radiação pode estar relacionado a doenças como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI).
Um estudo ocupacional realizado com mais de 3700 participantes mostrou que a exposição à radiação solar durante a vida profissional é um importante fator de risco para a DMRI (Schick et al., 2016). Trabalhadores com maior exposição ao sol no passado apresentaram maior propensão à DMRI precoce, enquanto que todos os trabalhadores ao ar livre mostraram alta correlação com DMRI em idade avançada. Essas conclusões afirmam a importância do uso de medidas protetivas, como os óculos de sol ou lentes de contato com proteção UV para minimizar a exposição ao solar. Além disso, devido ao efeito cumulativo da RUV, quanto mais cedo iniciar a fotoproteção ocular menor é o risco de DMRI em idade avançada. Por fim, outro fato interessante desse estudo é que a cor dos olhos não teve qualquer associação com a DMRI. Este fato contradiz o senso comum de que olhos mais claros são mais propensos à DMRI e indica que a fotoproteção ocular é necessária independentemente da cor da íris.
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Fonte: Johnson&Johnson Vision Care