Conforme já observado, é consenso científico que a R-UVB é danosa ao ser humano e que, atualmente, boa parte dos estudos e do interesse científico volta-se aos efeitos da R-UVA. Também já foi dito que a R-UVA corresponde a quase totalidade da R-UV que chega à superfície da Terra. No entanto, é possível verificar que mesmo em pequenas quantidades, a R-UVB tem um papel preponderante nos efeitos fotobiológicos sobre os seres humanos.
A figura 4 mostra a composição relativa, em termos de R-UVB e R-UVA, da R-UV que chega à superfície terrestre nas diferentes estações do ano. Nessa simulação para a cidade de São Paulo foi utilizado um modelo de transferência radiativa (Madronich e Flocke, 1997) e foram considerados os seguintes aspectos: i) céu claro sem nuvens; ii) hora do meio-dia local; iii) dias de solstícios de verão (21/12) e inverno (21/6) e equinócios de outono (21/3) e primavera (21/9); iv) valores médios de conteúdo de ozônio, observados entre 2004 e 2018; v) perfis verticais atmosféricos típicos dessa região.
Figura 4: Distribuição relativa (%) das radiações UVB (280-315 nm) e UVA (315-400 nm) em relação ao total de R-UV que atinge a superfície da cidade de São Paulo nos equinócios e solstícios. As barras verticais listradas mostram a R-UV solar e as barras com cores sólidas mostram a R-UV ponderada pelo EAF do eritema (R-UVE). As cores mais escuras indicam a R-UVB e as mais claras a R-UVA.
Nessa simulação realizada para a cidade de São Paulo, a R-UVB representa entre 2,7 e 3,5% do total de R-UV no inverno e verão, respectivamente. Considerando que os cálculos foram realizados para o meio-dia solar, a fração da R-UVB é menor em outros horários do dia, tendendo a zero nos horários do nascer e ocaso. Além disso, essas frações podem ser ainda menores na presença de poluição e nuvens e podem variar em função do conteúdo de ozônio na atmosfera. Por outro lado, o percentual de R-UVB pode ser maior em localidades mais próximas do equador, mas raramente é maior que 7 ou 8% do total de R-UV.
Porém, quando se leva em conta a ponderação do EAF para o eritema essa relação muda de figura. Neste caso, a porção UVB do espectro corresponde a 73,1%, no inverno, a 78,9%, no verão, da R-UVE. A R-UVA também responde pela formação do eritema de modo significativo, entre 26,9 e 21,1% respectivamente. Esse resultado é um indicativo que a R-UVB é preponderante nos efeitos nocivos causados à pele e aos olhos, mas a R-UVA também tem papel significativo, uma vez que a resposta fotobiológica do eritema tem comportamento semelhante àquelas apresentadas para enfermidades oculares.
Por fim, é importante notar que o conteúdo de ozônio varia sazonalmente e de modo bem-comportado sobre o território brasileiro e não há perspectivas de que haja variações significativas no decorrer desse século (Moraes et al., 2019). Assim, os fluxos de R-UV não devem sofrer alterações relevantes no século XXI e, com as perspectivas de queda de natalidade e envelhecimento da população, há um forte potencial de aumento de doenças relacionadas ao excesso de exposição à R-UV, incluindo aí as afecções dos olhos.
Como proteger os olhos? Lentes de contato ou óculos de sol?
Os óculos de sol não bloqueiam totalmente a R-UV e devem ser combinados com meios adicionais de proteção. Além disso, a eficácia da proteção é fortemente influenciada pela geometria, posição de uso, posições da cabeça e condições de exposição. As reflexões da radiação na parte interna das lentes e armações que não cobrem adequadamente os olhos permitem a entrada de parte da R-UV incidente (Backes et al., 2018). Uma fração importante da R-UV que incide nos olhos pode ser explicada pela reflexão da radiação solar na parte de trás das lentes para o olho. Além disso, os revestimentos antirreflexos usualmente utilizados aumentam consideravelmente a reflexão da R-UV. A preocupação com a saúde dos olhos levou alguns pesquisadores a propor o uso de um fator de proteção solar para os olhos (E-SPF). Similar ao FPS comumente encontrados em protetores solares, mas ainda pouco difundido, o E-SPF leva em consideração não só a qualidade dos óculos, mas também a geometria, posição do sol, dentre outros fatores relevantes (Behar-Cohen et al., 2013).
Esses mesmos estudos sugerem a necessidade de pesquisas mais aprofundadas e de longo prazo sobre a eficácia dos óculos de sol para a proteção dos olhos. Além disso, destacam o desenvolvimento das lentes de contato desenvolvidas com materiais absorvedores de R-UV que, além de serem eficazes na fotoproteção, eliminam o problema das reflexões de radiação solar na parte interna dos óculos. Estudos epidemiológicos recentes realizados em trabalhadores também sugerem que a exposição diária à radiação solar infravermelha pode estar associada à maior prevalência de catarata relacionada à idade. Ressaltam que não se pode excluir que este efeito se deva a maior taxa de desnaturação induzida termicamente, mas que a proteção adequada pode minimizar esses efeitos (Söderberg et al, 2016). Sendo assim, a maior parte dos autores destaca a possibilidade de uso combinado de lentes de contato com os óculos de sol como os métodos mais eficazes de proteger os olhos e as pálpebras.
Outros tópicos relacionados à saúde dos olhos: a luz azul, exposição às fontes artificiais e a degeneração macular relacionada à idade
Desde os anos 1970 sabe-se que a luz azul é fototóxica aos olhos (Ham et al., 1976). Essa ação fototóxica se estende por todo o espectro de luz visível, mas é predominante entre as bandas azul-violeta do espectro, entre 415 e 455 nm. Por essa razão, a Comissão Internacional sobre Proteção à Radiação Não-Ionizante (ICNIRP, do inglês: International Commission on Non Ionizing Radiation Protection) recomenda, em suas diretrizes sobre os limites da exposição à radiação visível e infravermelha, que a radiância ou dose efetiva de luz azul deve ser limitada para proteção da retina contra fotorretinopatia aguda induzida fotoquimicamente (ICNIRP, 1997).
Como vimos, para que uma determinada condição de exposição possa ser avaliada, o espectro de luz deve ser medido e o valor, em cada comprimento de onda, deve ser ponderado pela resposta fotobiológica (EAF) relevante a esse comprimento de onda. Esses valores ponderados são somados para que a comparação com o limite de exposição da diretriz seja possível. As diretrizes da ICNIRP apontam que não são necessários cuidados específicos para fontes de luz branca de luminância inferior a 104 cd m-2. Essa regra leva em conta a proporção de luz azul provavelmente contida na luminância total da fonte. Segundo o Manual do PROCEL (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), “a luminância se refere a uma intensidade luminosa que atinge o observador e que pode ser proveniente de reflexão de uma superfície ou de uma fonte de luz ou, simplesmente, de um feixe de luz no espaço. Em linguagem coloquial, é o brilho de um objeto que pode ser percebido pelo olho humano.” (PROCEL, 2011).
O estudo de OHagan e colaboradores (2016) mostra que monitores de computador e telas de laptops, tablets e smartphones, mesmo ajustados para emissão de brilho máximo, emitem luminâncias muito inferiores (< 5%) aos 104 cd m-2 definidos pela ICNIRP. O mesmo vale para a iluminação natural e para a maioria das lâmpadas, incandescentes, fluorescentes, dicroicas ou LED, de uso doméstico. Esse estudo ainda mostra que a comparação de exposições naturais com a exposição razoavelmente previsível à radiação óptica de lâmpadas, telas de computadores e dispositivos móveis, como smartphones, mostra que a irradiância real ponderada espectralmente é mais baixa que as exposições à radiação solar natural. Em geral, mesmo sob condições extremas de observação a longo prazo, nenhuma das fontes luminosas avaliadas nesse estudo sugeriu preocupação com a saúde pública. A pior fonte avaliada consistiu em três LEDs indicadores, que provavelmente não seriam visualizados de perto por tempo suficiente para causar preocupação.
Outro estudo, realizado com ratos expostos a lâmpadas LED de alta intensidade por sete dias ininterruptos, mostrou que o fotodano da retina causado por uma fonte de luz convencional pode se tornar crônico se a exposição for a fontes de alta intensidade luminosa e longa o suficiente (Vicente-Tejedor et al., 2018). Esse estudo também mostra que o uso de filtros bloqueadores de luz azul pode aliviar significativamente a perda funcional das células fotossensíveis da retina e podem ser, portanto, um mecanismo eficaz para a proteção de patologias oculares.
É importante ressaltar que a porcentagem de transmissão de luz azul da superfície da córnea para a retina está relacionada à idade, pois a transmissão de radiação é maior em crianças do que em adultos. Isso reforça a necessidade de proteção em indivíduos mais jovens. Além disso, o efeito cumulativo da exposição à radiação solar ou artificial deve ser levado em consideração em enfermidades dos olhos. Por exemplo, o estresse foto-oxidativo, particularmente causado pela RUV, mostra-se um fator importante em processos relacionados à saúde ocular. Estudos indicam que esse tipo de radiação pode estar relacionado a doenças como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI).
Um estudo ocupacional realizado com mais de 3700 participantes mostrou que a exposição à radiação solar durante a vida profissional é um importante fator de risco para a DMRI (Schick et al., 2016). Trabalhadores com maior exposição ao sol no passado apresentaram maior propensão à DMRI precoce, enquanto que todos os trabalhadores ao ar livre mostraram alta correlação com DMRI em idade avançada. Essas conclusões afirmam a importância do uso de medidas protetivas, como os óculos de sol ou lentes de contato com proteção UV para minimizar a exposição ao solar. Além disso, devido ao efeito cumulativo da RUV, quanto mais cedo iniciar a fotoproteção ocular menor é o risco de DMRI em idade avançada. Por fim, outro fato interessante desse estudo é que a cor dos olhos não teve qualquer associação com a DMRI. Este fato contradiz o senso comum de que olhos mais claros são mais propensos à DMRI e indica que a fotoproteção ocular é necessária independentemente da cor da íris.
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