Por Marina Almeida
Primeira brasileira a receber o Prêmio Artemis 2018 da Academia Americana de Oftalmologia, Camila Ventura conta que ficou surpresa ao ser indicada e aceita. A premiação realizada em 28 de outubro, é parte do reconhecimento pelo seu excelente trabalho com pacientes com a síndrome congênita do Zika vírus.
O Prêmio Artemis reconhece anualmente um jovem oftalmologista que tenha realizado algo de impacto para a oftalmologia mundial, além de ter demonstrado dedicação exemplar aos pacientes. Também, destina-se a reconhecer o comportamento desses profissionais para além do que é exigido (e esperado), e que incentive tal serviço aos demais colegas.
Em entrevista à Universo Visual, ela conta mais da sua trajetória profissional, do seu envolvimento com os pacientes portadores da síndrome, e de como impactou a comunidade oftalmológica com seus achados oculares em recém-nascidos afetados pelo o Zika vírus durante a gestação.
Revista Universo Visual: Como reagiu ao descobrir sua indicação para este prêmio tão conceituado da Academia Americana de Oftalmologia?
Camila Ventura: Totalmente surpresa para ser sincera. Recebi um contato da Associação Panamericana de Oftalmologia de que queriam me indicar para o Prêmio, e alguns meses depois veio a resposta de eu havia sido escolhida. E foi ainda mais inusitado ao saber que seria a primeira estrangeira, e brasileira, a recebê-lo. Claro, me senti muito honrada!
UV: O reconhecimento veio através do seu trabalho com o Zika vírus. Como tudo isso começou?
Camila: Foi durante a epidemia do Zika vírus que atingiu o Brasil em 2015, e passamos a receber recebemos os primeiros casos de bebês recém-nascidos. A partir de então comecei a publicar os primeiros resultados oculares em bebês afetados pelo vírus. Os estudos abordavam especificamente o dano estrutural causado ao olho pelo Zika vírus, a fisiopatologia por trás dessas manifestações, a curto e visão de longo prazo sobre essas conclusões e resposta ao tratamento de bebês intervenção precoce. Até então, não havia nada na literatura que descrevesse isso.
Hoje já são mais de 20 trabalhos publicados nessa área, vários capítulos de livros e palestras e conferências proferidas em vários países. Realmente foi um boom muito grande, e como o Brasil tinha o maior número de casos, e fomos os primeiros a reportar microcefalia.
UV: Como a comunidade acatou seus achados?
Camila: Não havia nada na literatura sobre microcefalia, nem sobre os achados oculares. Hoje a gente já sabe que existe a Síndrome Congênita do Zika Vírus. Mas até então era tudo novo. Eu fiz parte da comissão que definiu a Síndrome, e que tem algumas características típicas, e dentre essas características, tem a parte oftalmológica da criança.
Eu fiz grande parte dessa descrição e depois tivemos outras pessoas foram reportando os achados similares aos que eu havia descrito, e que veio a somar e a corroborar ao que já vinha falando. E isso foi muito bacana, porque se imaginar e voltar ao tempo onde todo mundo julgava e criticava pois falavam que eu não tinha embasamento para fazer a descrição de que era uma nova entidade, pois eu não conseguia provar pela sorologia que aquelas crianças tinham a síndrome, mas eu sabia que aqueles achados eram totalmente diferentes de tudo o que já se havia visto. Foi preciso uma quebra de preconceitos muito grande.
UV: E de que maneira o Zika vírus afeta a visão dessas crianças?
Camila: A caracterização dos achados oculares da síndrome foi feita em 2016. O Zika vírus afeta principalmente a retina e o nervo ótico. Ocorre o dano ocular em muitos casos, afetando principalmente as estruturas do segmento posterior incluindo retina, nervo óptico e vasos retinianos. Os principais achados são a alteração pigmentar e a atrofia coriorretiniana macular.
O vírus é atraído por células nervosas. Essas são as principais características, mas existe um amplo espectro da Síndrome e dos achados oculares. Já foram reportados glaucoma congênito, catarata congênita, subluxação do cristalino e microftalmia.
UV: E há tratamento?
Camila: Infelizmente, ainda não existe uma modalidade terapêutica ou vacina capaz de prevenir ou atenuar a infecção por Zika vírus e suas complicações. A doença é tratada de acordo com os sintomas. Em crianças com infecção congênita, o cuidado é focado no diagnóstico e manejo das condições presentes, monitorando seu desenvolvimento ao longo do tempo. A doença nesse caso deve ser tratada de forma multidisciplinar.
Na Fundação Altino Ventura temos 285 crianças com a Síndrome, e temos acompanhado e tratado essas crianças desde 2015. Não só a parte visual, mas motora, cognitiva, intelectual, esquelética, e tudo o que mais envolve. Na parte visual, temos tanto a adaptação de óculos, quanto um checkup visual realizado a cada três meses, para ver o desenvolvimento visual dessas crianças. A parte de Terapia Ocupacional faz a estimulação visual com brinquedos de alto contraste. Temos estimulado a visão dessas crianças e mostrado, inclusive em publicações, que se essas crianças são tratadas e habilitadas, existe sim um desenvolvimento visual, claro que com limitação, mas com melhora.
Fonte: Universo Visual