Paulo Schor – Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
Fiz esse curso (http://www.olhar.com.br/workshop.htm) há mais de 15 anos, e graças a Claudio Feijó conheci mais pessoas que precisavam, por profissão, olhar além da estampa. Era uma oficina de dois dias voltada a fotógrafos profissionais e arquitetos, e um oftalmologista resolveu se intrometer. Uma das primeiras lições foi a de que o fotógrafo deve cortar o que não deseja, na cena, e o arquiteto irá incluir na cena tudo o que quer. E nós? Que ouvimos sobre nitidez o dia todo, mas nem sempre falamos sobre o olhar&
A definição de visão muitas vezes é banalizada quando mostramos uma tabela de optotipos e determinamos que uma pessoa “enxerga 0,9. Muito frequentemente atendemos esses pacientes que nos dizem ter perdido 10% da visão, e nos desdobramos para mudar esse pensamento sobre a sensação visual. Sim, porque ver não é dizer para qual lado estão virados os “Es . Ver é sentir. Junto com ouvir, tocar, cheirar e provar. Não temos ciência de alguma métrica que pretenda definir quanto uma pessoa cheira! E por isso mesmo deveríamos ouvir e ver além das tabelas de Snellen.
Por vezes parece fantasiosa e romântica essa proposta, mas ouso afirmar que não temos escolha. Ou migramos para o entendimento mais profundo dessa dimensão, ou as máquinas vão fazer TODO o nosso trabalho. Digo “todo , pois já não somos imprescindíveis para medir a acuidade visual central (existem inúmeros aplicativos para isso) nem periférica (os campímetros computadorizados que o “digam ). Também a refratometria é obtida pelos autorrefratores, que podem vir acoplados a um celular! Testes de cores, contraste e acomodação em breve serão disponibilizados em farmácias, e os pacientes virão aos médicos com esses “resultados , para darmos sentido a tudo isso.
Não estou falando de ficção. Leiam The Patient Will See You Now: The Future of Medicine is in Your Hands, de Eric Topol (https://www.amazon.com/Patient-Will-See-You-Now/dp/0465054749) para mais detalhes do presente (e não futuro) da relação paciente-tecnologia. Somos imprescindíveis “ainda , mas não mais como fornecedores de exames e equipamentos aos pacientes. Somos únicos como receptores, transformadores e emissores de sentimentos, a partir de informações captadas. Nossa inteligência não artificial é ainda uma arma poderosa, longe de ser desbancada pelos circuitos integrados.
Esse sentimento humano é o que nos mantém indo a congressos e consultas. Precisamos interagir. A experiência de assistir a uma aula ao vivo, mesmo sem perguntar nada, é completamente diferente de “assistir à mesma aula on-line. Cada suspiro inesperado, olhar sutil ou mudança de luz ambiente nos passa um sinal, muda o contexto, e imprime uma mensagem na nossa mente. A informação pura não existe nesse ambiente, e parece que gostamos muito dessa sensação. Sensação de estar presente, importante e vivo.
Walter De Brouwer, CEO da empresa SCANADU (https://www.scanadu.com/), uma das pioneiras em aplicativos médicos, tenta nos dizer por que os pacientes não deixarão de vir aos médicos. Após um diagnóstico difícil e uma apresentação franca, o médico bate no ombro do paciente e diz “vai ficar tudo bem . Isso é o suficiente para que o laço mágico se aperte, e a relação médico-paciente brilhe. O paciente vem nos procurar por isso. Por isso também nós procuramos colegas e professores. Não há perigo eminente de o ensino on-line substituir o professor “de verdade . A relação humana é também a base da medicina, e somos os melhores para realizar essa arte!
Fonte: Universo Visual