Tempo de leitura: 3 minutos
Paulo Schor – Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Unifesp e Professor Chefe do Setor de Óptica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina.
Recente manifestação de líderes norte-americanos chamou atenção para a necessidade de se adequar a formação de recursos humanos na oftalmologia. A proposta estadunidense “rouba” seis meses do internato (que tradicionalmente pode ser feito nas grandes áreas) e dirige o mesmo para o ensino da oftalmologia. A ideia é reduzir ao essencial o treinamento dos internos (futuros residentes em oftalmologia) em ginecologia, pediatria, clínica, cirurgia ou no que eles denominam de ano de transição. “Atividades assistenciais em terapia intensiva ou enfermarias que não aumentem o treinamento em oftalmologia poderiam ser eliminadas.”
Embora a formação nos EUA seja diversa da nossa, quando se trata da especialização as semelhanças são grandes. Maiores ainda são os desafios do avanço tecnológico e longevidade na atuação médica. Como vamos nos relacionar com as triagens realizadas por máquinas quase autônomas, longe do ambiente controlado das clínicas e hospitais? Como, onde e com que recursos humanos devemos montar uma estrutura de saúde que atenda uma população de menor mobilidade e maior necessidade de cuidado caseiro (os idosos)?
A odontologia oferece uma formação de até quatro anos, focada, com conteúdo básico semelhante ao ministrado nos cursos médicos (http://143.107.153.201/images/stories/grad/ppp2017.pdf). A capacidade técnica dos dentistas ao final da formação é complementada por especializações e não residência (http://cfo.org.br/wp-content/uploads/2010/04/PERFIL_CD_BR_web.pdf). A comparação para por aí, pois são inúmeros os argumentos que justificam uma formação diferente do oftalmologista, como a íntima relação com outros órgãos e sistemas, doenças oculares com manifestação sistêmica, etc. Mas vale como parte de uma reflexão e provocação.
Não estamos “perdendo” muito tempo em uma formação uniforme e obrigatória para todos os estudantes de medicina? Poderíamos flexibilizar o currículo e restringir as chamadas Unidades Curriculares (UC) Fixas, de modo mais econômico e focado ao jovem oftalmologista?
Em várias instituições de ensino superior há um grande movimento para oferecer Unidades Curriculares (o que antes eram as chamadas Matérias) Eletivas e Atividades Complementares. São consideradas eletivas as UC que complementam a formação, mas não são essenciais para TODO médico. Definir exatamente o conteúdo Fixo e Eletivo é impossível, por isso uma das propostas nesse sentido é de que haja uma fronteira móvel entre essas UC.
Hoje em dia o ensino de “programação” parece ser bem uma Atividade Complementar, mas provavelmente se transformará em UC Eletiva num futuro próximo, e já se diz que quem não souber programar será analfabeto, em um futuro não muito distante.
Instituições internacionais como o MIT retiram UC Eletivas do “cardápio” se não houver procura alguma por dois anos seguidos. A razão do mercado na educação?
Essas discussões são contínuas e devem se prolongar ainda, porém há uma deliberação de que todo médico registrado no conselho de classe é facultado a realizar procedimentos. E com base em tal argumento, podemos prescrever antidepressivos ou pílulas anticoncepcionais, mesmo sendo oftalmologistas. Do mesmo modo, um recém-formado pode prescrever óculos.
Não deveríamos estar atentos para essa conjunção que pode formar a tempestade perfeita, e fazer com que a refração, além do mapeamento de retina, seja realizada por máquinas, e tenham sua condução posterior realizada por não oftalmologistas?
A princípio espera-se uma rejeição violenta de nossa parte frente a esse cenário, mas assim como os vendedores de lampião não conseguiram barrar a luz elétrica, parece inútil lutar contra a tecnologia ubíqua. Sendo assim, como devemos nos preparar para essa saída da zona de conforto? Formando menos oftalmologistas? Aumentando a hiperespecialização? Oferecendo uma melhor formação para os graduandos em medicina?
A última opção parece oferecer benefícios imediatos para os pacientes, principalmente os que não têm acesso a serviços oftalmológicos. Há muito trabalho de regulação e capacitação, com avaliação e readequação, a ser feito, e uma solução simplória não pode ser implementada de modo irresponsável, todavia o protagonismo dessa nova realidade deveria ser nosso!
UC Eletivas criativas e eloquentes, como “Retinografia e sua Análise”, “Quantificação da Visão e seus Defeitos”, “Cuidados Primários em Oftalmologia”, “O Olho do Bebê”, “Corpos Estranhos Oculares”, e o que mais for de uso prático para o médico das Unidades Básicas de Saúde deveriam estar sempre disponíveis para formar o currículo médico. Nosso treinamento didático deveria enfatizar estudantes de graduação, e não somente residentes e especializados. Ferramentas básicas e móveis têm de ser incorporadas à “maleta” do médico de “família”, e o protagonismo deve continuar sendo da classe oftalmológica!
Temos a expertise técnica e a capacidade de ensinar, porém precisamos exercitar a crítica e modelar a estratégia de ação para dar conta do novo tempo.
Em frente!

Fonte: Universo Visual

Compartilhe esse post