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Foi ao ar no dia 5 de outubro de 2021 a primeira entrevista do Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica! Nesse primeiro episódio, o oftalmologista Paulo Schor contou com a ilustre participação da médica endocrinologia pela UNIFESP Ana Cláudia Pinto, que possui 22 anos de experiência no mercado de saúde e bem-estar e, além disso, é médica-chefe na Saúde iD, serviço para pessoas físicas que não possuem plano de saúde.  

Schor enfatizou que, ao longo de sua carreira, Ana Cláudia tem se mantido atualizada por meio de programas de educação continuada e cursos, destacando o Digital Strategic for Business pela Columbia Business School. “Além de integrar congressos e seminários, tanto como participante quanto palestrante, tornando-se atualmente uma referência na utilização dos recursos digitais na criação de valor para o cuidado em saúde , acrescentou.  

Ele ressaltou, ainda, que na área acadêmica, há 11 anos a médica administra aulas em plano de saúde, qualidade de vida e participa da organização de oficinas de saúde populacional na Faculdade Getúlio Vargas (FGV). Com um olhar estratégico para o futuro das empresas na área da saúde, Ana Cláudia já vinha tendo atuação como adviser de empresas estabelecidas, além de conselhos consultivos de startups na nova economia , completou. Abaixo, publicamos o episódio completo da entrevista com a endocrinologista. 

Paulo Schor: Ana, nós já nos conhecemos bastante tempo e é uma honra tê-la aqui como minha primeira convidada, e uma das intenções que eu tive ao iniciar este podcast foi fazer com que mais pessoas ouvissem a sua história e entendessem quem está por trás das inovações que vêm surgindo no mercado. Porque inovação não é simplesmente ter uma ideia, mas é fazer com que as pessoas usem essa ideia, beneficiando-se dela. Assim, eu gostaria de começar perguntando, o que te fez sair da área acadêmica e ir para o mundo corporativo, que é algo no qual muitos desafios de gestão importantes e que não somos preparados na faculdade.

Ana Cláudia Pinto: Em primeiro lugar eu quero te agradecer pelo convite e dizer que é uma honra a ser a primeira entrevistada do seu programa. Bom, o que aconteceu foi uma conjunção de interesses; teve uma questão imediata que foi a parte financeira, porque a minha bolsa de doutorado tinha acabado e eu precisava de alguma remuneração para suprir essa perda. Então eu fui para uma operadora de saúde para trabalhar como médica em um programa de prevenção e promoção de saúde. A ideia me agradava, porque como endocrinologista a intenção é sempre querer prevenir o diabetes e evitar as complicações de longo prazo.  

Sendo assim, eu já via aí uma oportunidade, mas, na verdade, o que estava batendo à minha porta era uma oportunidade de gestão e foi tudo muito por acaso, porque a pessoa que me convidou para assumir o programa, indicou-me para ficar no lugar dela e para mim foi algo inédito, porque isso nunca havia passado pela minha cabeça, era um universo que nunca tinha sido apresentado para mim. Eu descobri isso por acaso e o que me encantou foi que na gestão populacional eu poderia fazer não só para uma pessoa de cada vez no meu consultório, mas para uma população inteira. Então foram coisas que acabaram se somando e me encantaram muito. E foi assim que eu comecei, 22 anos atrás.

 

Schor: O que me chama muito a atenção é essa mudança de foco, do um para vários, mesmo a gente acreditando que é muito melhor salvar a saúde de muitas pessoas do que a de um indivíduo , embora não sejamos preparados para isso. Você tinha isso muito claro na sua mente nesse momento? Conta um pouco dessa trajetória, de como que isso se desenvolveu. 

Ana Cláudia: Quando comecei a navegar nesse mundo, percebi claramente que poderia fazer isso para uma população e resolvi ousar, porque achei muito mais interessante do que ficar dentro do consultório. Só que, obviamente, os desafios aparecem e nós, como médicos, não somos preparados para certos desafios. Então, baseado em toda aquela questão de prevenção, de task force americana e tudo mais, embora na minha visão isso não fosse um desafio, porque dentro da pós-graduação estava acostumada com essa relação com o mundo fora do país, o maior desafio mesmo foi com a tecnologia, porque eu sabia o que queria ver em um paciente diabético depois de dez anos, o que eu precisava acompanhar, quais eram os indicadores que eu deveria verificar no sentido de evitar as complicações. Só que eu precisava da tecnologia para fazer tudo isso e eu não entendia absolutamente nada disso. Eu era uma médica mil por cento acadêmica, dessa forma, acho que foi um dos maiores desafios que tive que enfrentar 

Mas acredito que o médico está acostumado a fazer coisas muito difíceis e percebi que isso não era tão complicado; era, sim, desconhecido, mas não era difícil, e eu também tive sorte, porque meu marido era da área de tecnologia e um dia ele chegou e disse assim: Ana, pelo amor de Deus, eu não aguento mais ouvir você reclamar, o que você quer de TI? Eu faço pra você. E nós fizemos, foi o primeiro prontuário eletrônico em Access – meu primeiro BI, meu primeiro cruzamento de informações foi numa base Access. Então, foi uma somatória de coisas, mas se eu não tivesse ido atrás ou se  não tivesse tido essa curiosidade, esse ímpeto de tentar conhecer áreas que eu não fazia a menor ideia, acredito que não teria seguido essa jornada. Foram barreiras a ser suplantadas, mas que eu fui transpondo pela paixão.

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Schor: E como foi a sua experiência nas empresas? Você falou do prontuário Access, mas como você começou a construir essa história digital?

Ana Cláudia Pinto: A história digital começou a partir do que a gente sabe que o paciente precisa ter, essa interação com a equipe de uma forma mais próxima. Na realidade, nós só aprendemos quando estamos expostos àquela situação, então, quando a gente tenta levar a informática médica para dentro da universidade já é, sem dúvida nenhuma, um grande avanço; porém, quando pegamos uma startup ou uma população determinada ou uma operadora, como foi no meu caso, começamos a descobrir que existem problemas do mundo real que nem sequer passam pela nossa cabeça como médico, pelo menos foi o que aconteceu comigo. 

Eu sabia muito sobre endocrinologia, sabia como tratar um paciente com diabetes, mas eu não tinha ideia de qual era o custo, por exemplo, para o sistema e para o paciente em conviver com o diabetes. Hoje a gente chama de design, mas naquela época essa palavra não era utilizada, ao menos para mim, não era algo que estava dentro do meu conhecimento. Mas acabei descobrindo isso na prática quando comecei a fazer ciência no mundo real. Enfim, eu fui buscando soluções de como oferecer saúde no Brasil, porque não adianta ter o conteúdo do livro na cabeça, hoje em dia não basta você ter o conhecimento, é preciso aplicá-lo no mundo real. E aí o design traz muito disso, essa visualização da jornada do paciente, se ele entendeu o que você falou, se ele tem dinheiro para comprar a medicação, se ele pode preparar a própria comida, enfim, questões que normalmente não são problemas do médico. 

  


 

Schor: Como você acha que a saúde será levada para os pacientes daqui para frente e o que você tem visto sobre isso, levando-se em conta que quando as pessoas não têm acesso, não usam, e quando não têm dinheiro, não têm acesso?  

Ana Cláudia: Bom, como eu trabalho nesse mundo digital há muitos anos, não consigo ver uma solução digital de fora. Eu acho até muito curioso quando as pessoas acham que a parte digital, ou a parte de análise de dados, que é outro aspecto que eu gosto bastante também, de algoritmo, que isso irá tornar a medicina menos humana. Eu simplesmente não consigo ver dessa forma. É o que a gente chama hoje de phygital, que é aquela coisa da mistura do físico com o digital, saúde híbrida. Mas hoje temos uma ferramenta que é um divisor de águas, que é o smartphone. É quase que uma parte do nosso corpo, estamos o dia todo junto do smartphone, um acessório que nada mais é, na minha visão, do que uma grande ferramenta para se levar o primeiro cuidado na hora que a pessoa precisa.  

O digital tem isso de bom, através de um chat ou através de aplicativos, ou uma série de ferramentas que temos e que precisaremos dosar para verificar se haverá adesão da pessoa ou não, misturado com o físico, porque o digital sozinho, obviamente, não irá fazer nada. Acredito, então, ser esse o grande desafio, achar esse mix. E esse mix a gente só encontra testando, não tem outro jeito. Por isso que eu sou muito fã de design, de aplicar metodologia ágil, porque não precisamos esperar completar o desenvolvimento de uma solução para descobrir que ninguém aderiu a ela. Esse aspecto para mim é muito interessante, é muito envolvente esse mix. É como se a gente fizesse um estudo clássico.  

Vou até usar um exemplo real, tem um dispositivo de Israel que a gente está trazendo, cujo objetivo é manter o paciente engajado entre as consultas. Então, o que acontece? Você tem uma interação médica ali, é feita toda uma avaliação de risco, diagnóstico e a partir daí o paciente vai, através do seu smartphone, interagindo com aquele plano que foi feito para ele, e quando ele retorna para a consulta, temos a possibilidade de acompanhar o que ele fez naquele período. Olha que coisa interessante isso! O paciente tem a oportunidade de interagir ali, com recursos digitais, e depois o médico poderá verificar o que aconteceu. Veja como isso amplia a nossa capacidade. A gente entendeu a ciência, sabemos o que vai ser prescrito, é medicina baseada em evidência científica, isso vem de uma experiência, não muda, mas a forma como você irá interagir com o seu paciente será muito maior, essa é a diferença 

 

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 Schor E isso tudo vocês estão fazendo dentro do Saúde iD?

Ana Cláudia: Sim, dentro do Saúde iD. E o Saúde iD tem uma ambição muito interessante e é por isso que estou nesse grupo hoje, que é construir uma nova forma de levar a saúde, que é no modelo de marketing place. Hoje, uma das grandes dificuldades que as pessoas têm é de pagar um plano de saúde e a questão de pagar por um serviço fixo e não utilizá-lo o tempo todo. Então o Saúde iD ajudará a levar outras formas de saúde. Não que ele vá concorrer com plano de saúde, o paciente irá comprar o que ele necessita com uma jornada integrada, por exemplo, um paciente com crise de asma, que liga no pronto atendimento digital, e aí ele recebe orientações para resolver aquele episódio. Só que depois que ele saiu daquele atendimento digital, será acionado outras vezes, com a permissão dele, claro, então ele será impactado nesse atendimento. 

Porque, veja, não adianta tirar a crise do paciente só naquele momento, ele continuará tendo crises, então, dar essa assistência, saber se ele não quer passar por um médico de família ou então com pneumologista, é importante. Assim, a jornada desse paciente será guiada nos próximos passos. Esse é um dos caminhos que o Saúde iD está percorrendo e estamos trabalhando muito para construir essas jornadas. Porque plataformas de marketing place, provavelmente, existirão outras, mas entendemos que o nosso diferencial está justamente na inteligência, na construção da jornada, na orientação fornecida ao paciente, o que ele vai precisar fazer, quais serão os próximos passos.

 

Schor: E em relação ao médico versus agentes de saúde, quem vai levar essa orientação para o paciente?  

Ana Cláudia Pinto: Eu acho que a gente precisa aproveitar todos os profissionais da cadeia, eu já trabalho com uma equipe interdisciplinar desde 1999 quando comecei e não consigo ver a saúde de outra forma. O médico é preparado para afastar o grande risco, e ainda bem que tem um profissional assim, só que existem etapas anteriores à entrada do médico. E essas etapas podem ser feitas através de uma forma digital que estará na mão do paciente, ou seja, se ele tem uma pergunta muito simples de ser respondida, talvez ele nem precise de um profissional de saúde naquele momento. Isso é muito bom, porque agiliza o retorno. E hoje existem inúmeras ferramentas, não com toda a jornada completa, mas por exemplo, tem o Symptoms Checker e vários outros. Então, o paciente vai lá, coloca os sintomas dele, se ele ficou satisfeito com aquela resposta, ok, mas se ele não ficou, pode ir para um segundo nível que, dependendo da gravidade, é diretamente com o médico ou não, ou pode ter uma enfermeira para orientar. Então eu acredito muito que todos os profissionais de saúde podem trabalhar em conjunto, cada um na sua hora e no momento certo, dando um retorno mais precoce ao paciente, e o digital também entrará para dar esse feedback imediato. 

 

Schor: Concordo em gênero, número e grau, acho que é preciso haver uma equipe multiprofissional e não tem um mais importante do que o outro. Ana, adorei conversar com você, acho ótimo esse seu posicionamento, com esse enfoque centrado no ser humano e estou bastante entusiasmado e confiante de que haverá mais gente envolvida nesse sistema, que será muito mais democrático e terá um acesso maior. Para finalizar, comente um pouco das suas últimas impressões e, principalmente, conte para nós o que vocês estão criando lá dentro além dessa saúde entre consultas.

Ana Cláudia: Eu acredito que estamos construindo dentro do Saúde iD uma nova forma de entregar saúde às pessoas. Inclusive uma nova forma de financiar essa saúde. Porque a pessoa pode entrar e comprar o que ela precisa naquele momento. E muito mais do que isso, ela pode entrar, comprar consultas, exames, cirurgias, mas isso tudo dentro de uma jornada coordenada. A grande beleza disso, e ao mesmo tempo o grande desafio, é que é muito mais do que um local onde ele possa comprar as suas necessidades, digamos, no varejo , mas que ele possa receber um cuidado coordenado, e que essa jornada seja a mais correta e a menos invasiva possível, e com um custo o mais adequado possível, para contribuirmos com a sustentabilidade da saúde tão necessária. Eu agora me despeço, agradecendo demais o seu convite, é sempre um prazer conversar com você, Paulo. Obrigada!  

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