A entrevista com a médica endocrinologista Ana Cláudia Pinto, do Saúde iD, gerou grande repercussão entre os ouvintes. A repercussão foi tanta que o responsável pelo programa, o oftalmologista e design médico Paulo Schor, gravou um programa para comentar o conteúdo do que foi discutido no Podcast RX – Por dentro da sua próxima receita médica! do dia 5 de outubro de 2021.
Segundo Schor, a ideia do podcast com a médica foi para entender o que é feito atualmente na saúde digital, aproveitando-se as ferramentas existentes na internet para que mais pessoas tenham acesso a uma melhor saúde. “Um dos questionamentos que foi colocado após a entrevista é se não estavam querendo substituir o SUS (Sistema Único de Saúde) por esses outros modelos de oferta de saúde, e não só o Saúde iD, mas outros similares existentes no mercado”, conta. Mas para o médico, esse questionamento não é pertinente. “Mesmo porque eu não acredito que um modelo exclusivo e que foi concebido há muito tempo seja ainda o melhor e o único para ofertar saúde à população”, avalia.
O oftalmologista diz que estamos em constante evolução e que as ferramentas vêm para ajudar na melhoria desses modelos. “O acesso a eles é facilitado quanto mais distribuído for o recurso, isso é relativamente óbvio e aí entra a digitalização, o phygital, que é uma mistura de físico com digital, citado pela Ana, e que eu tenho a impressão que é para onde a sociedade precisa migrar”, aponta, salientando que não é apenas um híbrido de online e presencial no cuidado médico, mas o que será ofertado e disponibilizado, no sentido do paciente poder alcançar no digital mais do que o que será disponibilizado a ele em relação ao físico.
Para Schor, está claro que não será possível cobrir fisicamente todo o território, assim como o digital não cumpre todas as necessidades humanas de maneira completa e, provavelmente, terá que se unir as duas coisas para se ter uma melhor experiência. “Como isso será feito? Com certeza perguntando ao usuário, porque isso não será efetivo se não houver o envolvimento do paciente, o que ficou muito claro na conversa com a Ana Cláudia quando ela fala em jornada do paciente”, explica, destacando que o paciente precisa ser atendido, acompanhado e ter a sua jornada modificada, dependendo de qual é o retorno do seu atendimento.
O médico afirma que em saúde é muito difícil uma solução igual para todos. “Cada paciente precisa ser individualizado e aí existe essa dicotomia entre tratar de um e tratar de todos“, pontua. Para ele, tratar de um significa disponibilizar todo o recurso e conhecimento possível, o que é financeiramente inviável. “E tratar de todos, muitas vezes significa o mínimo recurso disponível e não necessariamente o que o paciente precisa, na hora que ele precisa e aonde ele precisa”, diz, ressaltando que é preciso olhar os dois lados, dos gestores e dos pacientes, com igual peso. “Não dá para dar prioridade ao paciente, porque senão o sistema quebra, e nem ao gestor, porque senão o paciente fica desassistido.”
Tecnologia a serviço da saúde
Segundo Schor, os smartphones ampliaram a assistência médica. “Temos hoje câmeras de celular substituindo câmeras profissionais, temos microfones em celulares com uma qualidade muito boa e, principalmente, processamento em celulares. Com tudo isso integrado e com a economia de escala, esses equipamentos ficam muito mais baratos”, informa. Ele cita como exemplo um retinógrafo portátil, que é integrado ao smartphone, para exame de fundo de olho, chamado Eyer, da empresa brasileira Phelcom, muito bem sucedida no mercado.
Conforme explica o oftalmologista, tem a parte ótica e a parte do celular, que faz todo o processamento de dados, identificação do paciente e aquisição, processamento e transmissão da imagem. “Esse aparelho hoje custa, provavelmente, um quinto do que custa o aparelho comercial desenvolvido somente para essa finalidade, e isso vem junto com o celular integrado, que é pequeno; já o retinógrafo é móvel, não precisa de fio, ele é carregado e dura o dia inteiro e conseguimos qualidades de imagens comparáveis aos dos equipamentos grandes, exatamente porque a parte ótica é algo muito bem trabalhado”, esclarece, salientando que o smartphone na saúde possui uma aplicabilidade ainda a ser descoberta e melhorada.
“Já há tentativas de smartphones fazerem autodiagnósticos. Existe, claro, a câmera de smartphone, transferências, prontuários e muitas outras utilidades, mas eu vejo que ainda há uma lacuna enorme para quem for trabalhar com isso”, comenta o especialista. Ele afirma ficar muito feliz quando consegue utilizar alguma ferramenta tecnológica para o bem. “Esse é um rótulo que de vez em quando colocam em mim: Ah, você é o cara que gosta muito de tecnologia. Não, eu não gosto muito de tecnologia, eu gosto de gente, de arte, de emoção, é disso que eu gosto. A tecnologia me deixa feliz quando ela é útil e isso é uma das coisas que a digitalização nos proporciona”, relata.
Na opinião do médico, poder assinar a receita digitalmente e acessar o prontuário do paciente que está no hospital remotamente é algo fantástico e economiza um tempo enorme. “E não é só uma questão de produtividade, mas o conforto e, provavelmente, a qualidade do serviço também melhora muito, é bem melhor do que pegar trânsito para ir até o hospital, demorar um tempão para fazer uma prescrição que, eventualmente, poderia ser feita a distância – ou mesmo receber um exame em casa depois de um tempo grande quando você pode acessar esse exame via Web Browser”, exemplifica.
O especialista relembra que nada disso existia há dez ou 20 anos atrás. “Eu lembro de uma tese de doutorado de um grande colega médico bastante influente na área de informática em saúde, professor Daniel Sigulem, ativíssimo na internet, e ele queria que quando o paciente ligasse, houvesse um programa que identificasse quem estava ligando que na época não existia e mostrasse qual a última receita que ele prescreveu, porque facilitaria muito. E não temos isso até hoje, o que seria extremamente útil”, avalia, enfatizando que por mais que o médico tenha boa memória, não irá lembrar se trocou o colírio timolol de 0,25% por 0,5% ou se o paciente está usando a medicação duas ou três vezes por dia. “É muita informação técnica, daí esse apoio tecnológico seria muito bem-vindo”, completa.
Desenvolvimento de soluções
Outra questão conversada com Ana Cláudia foi sobre o papel da academia e da ciência no desenvolvimento de soluções, que podem ter uma aplicação mais imediata ou mais longa. “Mas em geral é bom fazermos essa mescla, esse equilíbrio de aplicação imediata e outra mais distante”, declara, esclarecendo que, geralmente, existe uma ideia de aplicação imediata, que não foi validada junto ao usuário, enquanto a muito distante tende a ser um trabalho de uma vida inteira. “Dessa forma, o desenvolvimento de ferramentas para uma determinada aplicação vem da ciência básica de longuíssima data”, observa. Schor diz que fica no meio do caminho, procurando algo que tenha uma fundamentação científica válida para depois passar pelo usuário, e que seja uma ideia de aplicação.
Um último aspecto comentado na entrevista foi sobre a questão da equipe de saúde. “As funções da equipe de saúde são extremamente detalhadas, mas a gente vê de vez em quando tentativas de burlar essas funções, talvez por cultura, talvez por pressa ou pela personalidade de alguns profissionais, não necessariamente só de médicos (mas muito vindo de médicos), e vemos um funcionamento caótico quando essa estrutura não está alinhada, quando os pesos e contrapesos, politicamente falando, não estão corretamente colocados”, analisa, ressaltando que a divisão de tarefas é fundamental.
“Mas qual é a valorização que damos para essas tarefas todas relacionadas à saúde?”, questiona Schor. “Quando a Ana coloca o enfermeiro como responsável pela triagem inicial de pacientes, é preciso haver uma valorização importante do tempo que essa triagem irá economizar lá na frente ou do tempo que isso agregará valor futuramente”, destaca. Para o médico, essa é uma conta relativamente fácil de ser feita se as pessoas não estiverem presas a cultura do “eu ganho mais do que você, porque eu fiz faculdade de medicina.” “Não, o médico ganha mais, talvez, por motivos culturais e quem acaba ganhando menos teve, provavelmente, uma possibilidade menor de chegar na faculdade de medicina”, aponta.
Ele enfatiza que é preciso ser bastante crítico nesse sentido, de qual é o valor agregado para cada uma das funções. “E isso do ponto de vista financeiro mesmo. Quanto que o meu tempo de trabalho serviu para que o desfecho fosse mais assertivo, fosse mais positivo. Acredito, portanto, que a partir do desfecho, conseguimos, sim, remontar o valor de cada etapa na equipe de saúde“, pondera. “Pode ser uma forma simplista de pensar, mas eu acredito que o tempo precisa entrar nessa equação”, acrescenta. Ele diz pensar muito nessa questão em relação às cirurgias. “Não sei se quem irá fazer as cirurgias do futuro será o médico que atende o paciente e no qual ele confia. Porque a confiança no sucesso da cirurgia vem do fato do paciente confiar no profissional, mas, na maioria das vezes, ele não sabe se o médico opera bem ou mal”, avalia, salientando que, em geral, quanto mais tempo os cirurgiões têm de treino melhor eles operam.
Para o oftalmologista, entretanto, é fundamental manter a qualidade da cirurgia. “Certamente alguém que tenha feito 1000 cirurgias de catarata tende a ser mais hábil e saberá resolver mais problemas do que quem fez 100 cirurgias. Isso se chama curva de aprendizado, um conceito que seria interessante passar aos pacientes, porém é muito difícil deles conseguirem avaliar. Mas na equipe e na gestão, nós conseguimos”, destaca. De acordo com o médico, a equipe tem que ser vista como uma parte do todo a ser completada, detalhadamente avaliada e com os indicadores que irão servir para sua performance ofertada e quantificada. “Com isso, eu concluo essa primeira repercussão do podcast. Gostaria muito que todos curtissem nas redes sociais, mandassem comentários sobre os conteúdos já gravados e sugestões para as próximas pautas”, finaliza Schor.
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