A introdução de técnicas cirúrgicas realizadas na córnea para tratar miopia, astigmatismo e hipermetropia determinou o início da Cirurgia Refrativa. Considerando-se o caráter essencialmente eletivo destes procedimentos muitas vezes controversos, além da polêmica, observou-se e grande estímulo para o desenvolvimento de diversas áreas envolvidas com estas cirurgias. Destacam-se os avanços no conhecimento sobre a cicatrização, fisiologia, patologia, diagnose complementar, lasers e performance óptica de lentes intraoculares. A necessidade de se elevar os patamares de segurança e eficácia vem sendo o contínuo e marcante incentivo para pesquisa, que determina rápida e constante evolução. Com isso, a Cirurgia Refrativa alcançou reconhecimento pela comunidade científica internacional e passou a ser considerada como subespecialidade dentro da Oftalmologia.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa (SBCR) foi fundada no início dos anos 80, ganhando reconhecimento pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia e pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia de forma similar ao contexto internacional. Em 2014, houve a integração da SBCR com a SBCII (Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intraoculares) para a formação da ABCCR (Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa), conhecida internacionalmente como BRASCRS, que se destaca entre as mais importantes sociedades de cirurgia refrativa do mundo.
O World College of Refractive Surgery and Visual Sciences foi formado em 2021, como uma resposta à necessidade de se estabelecer padrões de treinamento e conduta. O WCRSVS (Figura 1) tem como um dos objetivos, estabelecer a cirurgia refrativa como uma especialidade autônoma, construída sobre a base da oftalmologia, mas independente. Embora a ideia de separar da oftalmologia possa parecer nova, ela é construída com base no conceito das diferenças fundamentais da Cirurgia Refrativa.
Cirurgia refrativa não se restringe aos procedimentos realizados na córnea.1 Inclui as lentes intraoculares fácicas e a cirurgia refrativa da catarata. Também inclui cirurgias terapêuticas, não eletivas para doenças como ceratocone.2 Entretanto, deve ser realizada em um padrão de excelência, com maior exigência do que outros campos da medicina. Precisão, eficácia e segurança são determinantes. Apesar do alto padrão, do maior nível de especialização e da intolerância a erros que a cirurgia refrativa exige, ainda não temos regulamentação para um padrão para treinamento, demonstração de competência ou acreditação para cirurgiões refrativos.
A definição de especialidade médica é “um ramo da prática médica que se concentra em um grupo definido de pacientes, doenças, habilidades ou filosofia”. A oftalmologia formalizou-se como a primeira junta médica de especialidade em 1916 e juntou-se a outras juntas no American Board of Medical Specialties (ABMS) em 1933. Isso estabeleceu o padrão para o mundo. A oftalmologia viu a necessidade de ser uma especialidade separada, mas segundo a ABMS, a oftalmologia é uma das poucas especialidades a reconhecer qualquer subespecialidade! A falta de reconhecimento dos avanços em cada uma dessas áreas levou à formação de subespecialidades de fato sem reconhecimento. Retina e Oculplástica lideraram a tendência e a Cirurgia Refrativa também deve se destacar como especialidade à parte. Isso não é diferente de como a oftalmologia se separou da medicina geral em 1916. Isso não é diferente de como a Cirurgia Plástica se diferencia da Cirurgia Geral.
A cirurgia refrativa deve ser realizada fundamentalmente por médico, com formação em oftalmologia. Mas há necessidade de especialização complementar. Trata-se de desempenho, não de patologia, sendo a satisfação visual e a melhora da qualidade de vida os marcadores para o sucesso. O reconhecimento dos especialistas em cirurgia refrativa é uma tarefa inicial do WCRSVS. Estes serão reconhecidos como “Fellows of The World College of Refractive Surgery – FWCRS” (Figura 2). Na América Latina, Roger Zaldivar, MD, PCEO, FWCRS coordena este comitê para reconhecimento dos especialistas.
As lideranças do WCRSVS estão listadas no site www.wcvsvs.org. O ecossistema da cirurgia refrativa envolve outros profissionais fundamentais, que envolvem a indústria, os centros de pesquisa, os executivos e outros profissionais devem coexistir com o médico oftalmologista e cirurgião refrativo para promover evolução e execução de excelência na especialidade. O WCRSVS estará no centro deste ecossistema. A base está relacionada com o padrão e treinamento, juntamente com acreditação, advocacia e pesquisa. Todos estes aspectos estão relacionados com a missão do WCRS. Entretanto, destacam-se algumas citações:
“A cirurgia refrativa baseia-se na oftalmologia, mas é tão diferente da oftalmologia quanto a cirurgia plástica é da cirurgia geral. A cirurgia refrativa é sobre desempenho, não patologia, e a demanda por resultados excelentes é exigente. Treinamento e experiência adicionais são necessários. É simplesmente uma especialidade diferente.”, Guy M. Kezirian, MD, MBA, FACS, FWCRS – Chairman do WCRSVS.
“O treinamento de residência qualifica os médicos para a prática da oftalmologia geral. Qualquer oftalmologista que deseja se especializar e praticar uma especialidade oftalmológica deve buscar mais educação e treinamento para ser credenciado e obter a certificação do Conselho. O Colégio Mundial de Cirurgia Refrativa e Ciências Visuais fornece credenciamento por meio de certificação do Conselho. A certificação do conselho fornece prova segurada de que um indivíduo atendeu a um nível básico de requisitos e padrões pré-determinados de educação, experiência, competência profissional e capacidades em seu campo de especialidade.”, Charles H Williamson, MD, FACS, FWCRS – CEO WCRSVS
“A cirurgia refrativa crescerá, assim como a aviação cresceu quando a segurança das viagens aéreas se tornou significativamente mais segura do que dirigir. A cirurgia refrativa precisa ganhar esse mesmo nível de segurança quando você nem olha para o piloto porque sabe que ele está qualificado para pilotar a aeronave. Quando você vê um cirurgião refrativo que é membro do WCRS, você pode ter o mesmo nível de segurança. Isso só acontecerá com padrão e qualidade, fundamentos da WCRS.”, destaca Arthur B. Cummings, M.Med, FCS(SA), FRCSEd, PCEO, FWCRS – Presidente do WCRSVS.
“Historicamente, a oftalmologia trata e restaura a saúde dos olhos. A cirurgia refrativa, por outro lado, é baseada no desempenho, o que significa que as demandas do cirurgião por um resultado excelente são maiores do que na cirurgia baseada na doença. Com isso, o conhecimento e o treinamento necessários para alcançar resultados excelentes de forma contínua estão muito além do que é ensinado na faculdade de medicina. Esta é a principal razão pela qual a cirurgia refrativa é tão diferente da medicina geral que trata doenças e por isso, deve ser tratada como uma especialidade independente.”, coloca Roger Zaldivar, MD, PCEO, FWCRS, Trustee do WCRSVS e coordenador da América Latina.
O Colégio Mundial de Cirurgia Refrativa e Ciências Visuais (WCRSVS) declarou a cirurgia refrativa uma especialidade separada em 3 de julho de 2021. O reconhecimento de uma especialidade separada proporcionará um foco que ainda não tivemos no passado. Isso possibilita melhorar os padrões de treinamento para escalonamento. O foco leva ao crescimento, e o desafio de levar a correção refrativa moderna para mais da metade da população mundial, requer escala. A escala só é possível com padrões, segurança, supervisão e treinamento. Argumenta-se que para tal foco, a cirurgia refrativa deva ser reconhecida como uma especialidade separada, construída sobre a base da oftalmologia. No Brasil, temos conjunturas e realidades peculiares. Devemos estar atentos para uma reflexão proativa de modo a encontrar as melhores repostas e estratégias para promover a cirurgia refrativa a patamares de segurança e eficácia que determinem o reconhecimento e sua evolução.