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Alberto Sumitomo
Preceptor da Seção de Catarata do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo
 
Fábio Ursulino Reis Carvalho
Fellowship em Catarata na Santa Casa de São Paulo e glaucoma na UNIFESP/EPM; Mestrando em oftalmologia pela Universidade de Edimburgo; Sócio do Hospital de Olhos de Sergipe
Richard Yudi Hida  

Grupo de Estudo em Superfície Ocular – Departamento de Oftalmologia – Universidade de São Paulo (USP); Setor de Cirurgia Catarata – Departamento de Oftalmologia – Universidade de São Paulo (USP); Setor de Ótica Cirurgica (Catarata e Refrativa) – Departamento de Oftalmologia – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Presidente (Gestão 2018-2019)- Sociedade Brasileira de Laser e Cirurgia Oftálmica- BLOSS
Após o recente estudo publicado no cobiçado “The New England Journal of Medicine” (comentado na Universo Visual de Maio 2018) onde estudiosos japoneses da Kyoto Prefectural University of Medicine no Japão demonstraram “AUMENTO DA DENSIDADE ENDOTELIAL APÓS 24 SEMANAS” após injeção de células endoteliais corneais suplementado com inibidor de rho-associated protein kinase (ROCK), muita coisa controversa e desafiadora veio para desafiar este tema tão inusitado. 
Desde então,  a possível capacidade de regeneração endotelial in vivo deixa ainda mais dúvida se os inibidores de ROCK estimulam a regeneração endotelial ou simplesmente aceleram o processo de migração endotelial de áreas mais povoadas para a região lesada.
Segue as principais novidades e temas discutidos a respeito da regeneração endotelial da córnea nas doenças endoteliais mais comuns em humanos.
1.Ainda é controverso a possibilidade das células endoteliais sofrerem mitose ou se regenerar?
Definitivamente já foi comprovado que a célula endotelial da córnea sofre mitose em ambiente ex-vivo e in vitro (em laboratório).
Ainda não se tem evidência que a célula endotelial sofre mitose in vivo em humanos.
Existe a necessidade de melhorar a tecnologia do microscópio especular para avaliar pequenas alterações morfométricas da condição clínica do endotélio.
Há indícios indiretos de que é possível acelerar, farmacologicamente, a migração celular da periferia para o centro da córnea.
2.Afinal, qual a densidade endotelial corneal considerada como NORMAL em humanos sadios? E quais são as principais doenças endoteliais q fazem parte do maior desafio para os especialistas de córnea?
A densidade endotelial da córnea central é considerada normal acima de 2.000 céls/mm2 (variando de acordo com a idade e região da córnea examinada).
Não existe um número “mágico” que descreva a condição clínica como “crítica”, porém muitos autores mostraram que abaixo de 750 céls/mm2 pode causar alguma forma de desconpensação de córnea.
As principais doenças endoteliais são a ceratopatia bolhosa pseudofácica e a Distrofia endotelial de Fuchs.
3.Quais os possíveis tratamentos cirúrgicos conhecidos para essas doenças endoteliais da córnea? Quais os tipos? O que cada sigla significa?
Os tratamentos mais conhecidos foram evoluindo de forma onde têm tendência a ser menos invasivo possível.
 

Tratamento proposto

Sigla

Descrição em inglês

Transplante penetrante

PKP

Penetrating Keratoplasty

Transplante lamelar posterior

PLK

Posterior Lamelar Keratoplasty

Transplante lamelar endotelial profundo

DLEK

Deep Lamelar Endothelial Keratoplasty

Transplante endotelial com retirada da Descemet

DSEK

Descemet Stripping Endothelial Keratoplasty

Transplante endotelial com retirada automatizado da Descemet

DSAEK

Descemet Stripping Automted Endothelial Keratoplasty

Transplante endotelial da Membrana de Descemet

DMEK

Descemet menbrane Endothelial Keratoplasty

Transplante endotelial da metade da Membrana de Descemet

Hemi-DMEK

Hemi-Descemetmembrane Endothelial Keratoplasty

Retirada da Descemet apenas

DSO

Descemet membrane stripping only

Retirada da Descemet sem transplante endotelial

DWEK

Descemet membrane without endothelial Keratoplasty

                                 

Vale lembrar que o tratamento adjuvante e sintomático tem resultados também controversos com uso de colírios hiperosmóticos (NaCl ou glicerina), lente de contato terapêutica (para dor) ou micropuntura.
4. O que é o inibidor de rho-associated protein kinase (ROCK)? Quais os tipos? Mecanismo de ação?
ROCK (Rho kinase) é uma enzima que “controla” uma série de eventos celulares em condições patológicas como doenças cardiovasculares, Diabetes melitus, doenças neurodegenerativas, glaucoma, osteoporose e neoplasias em geral.
Quando o ROCK é inibido, intensifica proliferação celular, promove adesão celular e suprime apoptose. Na área oftalmológica, os inibidores de ROCK foi aprovado no Oriente para tratamento de glaucoma, mas mostrou também ser controverso em aumentar a densidade endotelial em animais e humanos quando injetadas na câmara anterior junto com células endotelias cultivadas (inibidor de ROCK conhecido como Y-27632). Em doadores jovens, é descrito considerável proliferacao de celulas endoteliais e um grande potencial na área de cultura celular e engenharia tecidual humana.
Os principais tipos mais conhecidos são:
Ripasudil (Glanatec, Kowa, Japão): aprovado no Japão para tratamento de glaucoma.
Fasudil (Asahi Kasei, Japão): aprovado no japao para tratamento de vasoespasmo e isquemia cerebral.
Netarsudil (Rhopressa, Aerie, USA) aprovado nos EUA para tratamento de glaucoma.
Y-27632 (Wako Pure Chemical), um inibidor de ROCK seletivo que promove cicatrização do endotelio corneal utilizado nos últimos anos pelos estudiosos da Kyoto Prefectural University of Medicine.
RKI-1447, um potente inibidor de ROCK com ação tecidual anti-cancerígeno e anti-invasivo.
5. QUAIS AS NOVIDADES NO tratamento clínico para disfunção endotelial? Qual paciente devemos tratar?
Ainda mesmo sem evidência estatística devido a pequena amostra, é sugerido:
Córnea em disfunção é submetido a uma agressão com intuito de estimular a inibição de ROCK (podendo ser uma cirurgia de catarata ou crio-congelação da córnea central).
Aplicar inibidor de ROCK tópico (ripasudil) na posologia de 6/6hs ou 4/4hs (ainda controverso e sem evidência científica)
É sugerido que pacientes com densidade endotelial normal na periferia da córnea poderia se beneficiar com essa medicação, mas ainda sem evidência científica.
6. QUAIS as novidades no tratamento cirúrgico para disfunção endotelial? Qual paciente devemos tratar?
As técnicas conhecidas como “Descemet membrane stripping only” (DSO) e “Descemet membrane without endothelial Keratoplasty” (DWEK) realiza a retirada da Descemet utilizando uma pinça invertida sem a necessidade de tecido doado. Já considerado como muito seguro e eficaz por alguns autores.
Complementar essa cirurgia com o uso tópico de Ripasudil (Glanatec, Kowa, Japão) mostrou eficaz em acelerar a migração celular.
Último estudo sobre DWEK ou DSO (Macsai MS, Shiloach M. Use of Topical Rho Kinase Inhibitors in the Treatment of Fuchs Dystrophy After Descemet Stripping Only. Cornea. 2019 May;38(5):529-534), compara o uso dessa medicação (4x/dia por 2 meses) com grupo controle sem medicação em pacientes com densidade endotelial mínima de 1000 cels/mm2 na periferia da córnea.
Este estudo sugere que DSO associado com o uso de Ripasudil no pós operatória pode ser uma alternativa para pacientes com Distrofia de Fuchs e córneas com densidade endotelial maiores que 1000 cels/mm2.
7.Outras curiosidades do inibidor de ROCK!
Existe o risco não estudado de desevolver uma subpopulação de células endoteliais impróprios e inseguro para injeção intracameral.
As células endoteliais sofrem uma mudança de formato, pseudo-guttae transitórias, após o uso tópico de inibidor de ROCK, portanto é recomendável que faça a microscopia especular com intervalo entre o uso da medicação. Acredita-se que essaa substância induza a formação de protrusões nas bordas intercelulares devido a redução na contratilidade da actomiosina. E, possivelmente, essa mudança de formato celular permita uma migração mais rápida para a área danificada. 
8.Criticas com relação ao tema
Não há estudos suficientes que comprovem a eficácia de quaisquer procedimentos citados acima.
Existe uma limitação da tecnologia para avaliar o mosaico endotelial através dos atuais microscopios especulares disponíveis no mercado, portanto o único parâmetro de avaliação endotelial deve ser a transparência e melhora clínica.
Questionável exame de especular. Portanto, é provável e mais coerente utilizar a paquimetria de córnea para avaliar pequenos edemas de córnea às vezes não detectáveis na lampada de fenda (suspeitar de edema de córnea em paquimetrias acima de 600µm)

CONCLUSÃO
Apesar de estarmos falando de um estudo (Macsai MS, Shiloach M. Use of Topical Rho Kinase Inhibitors in the Treatment of Fuchs Dystrophy After Descemet Stripping Only. Cornea. 2019 May;38(5):529-534) com poucos pacientes, o fato de a densidade endotelial periférica, que era similar entre os grupos no pré-operatório (1240 cels/mm2 no ripasudil contra 1257 cels/mm2 no controle), ter diminuido na avaliação de um ano de pós-operatório no grupo controle (o que já era esperado pela migração endotelial), mas não ter reduzido no grupo do ripasudil é muito animador e fortalece a corrente de pensamento de que os inibidores de ROCK possam, efetivamente, estimular a multiplicação, a regerenação endotelial.
Acredita-se que as células endoteliais sofram inibição de contato, que leva a uma sobreregulação de p27Kip1, um inibidor de quinase dependente de ciclina que impede a transição para fase S da mitose, deixando as células endoteliais presas na fase G1. Os inibidores de rho Kinase devem, de alguma maneira, interferir nesse processo, liberando as células endoteliais para realizarem o ciclo de mitose, replicando-se in vivo.  
Obviamente, precisamos de mais estudos para confirmar os fatos acima. Devemos lembrar sempre que a propedêutica de contagem endotelial em estudos é nebulosa e sem uma regra clara. Existem estudos em revistas importantes que demonstraram aumento de densidade endotelial após cirurgias intraoculares, quando sabe-se que isso poderia ser impossível. Assim, apesar da nossa empolgação inicial, ainda não temos certeza de quase nada. A nossa única certeza é que a novela da regeneração endotelial fica cada dia mais interessante. 

Fonte: Universo Visual

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