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Por Christye Cantero
Depois de algumas horas de vôo, é preciso ainda pegar um barco para chegar ao destino da viagem. Lá, onde não há luz nem telefone, é hora dos visitantes viverem intensamente cada momento com os habitantes locais, conhecendo suas necessidades e participando de seu dia a dia. E o principal, contribuir para a melhoria da saúde e qualidade de vida da população local.
Os viajantes fazem parte da equipe multidisciplinar de voluntários da Associação Médicos da Floresta (AMDAF). A Organização Não-Governamental, fundada em abril de 2016, atende comunidades indígenas que vivem em áreas de difícil acesso. Antes dos voluntários partirem para uma nova ação em um local distante, uma ou duas pessoas da associação visitam a região cerca de três meses antes para fazer o estudo de toda a logística necessária.
O oftalmologista Celso Takashi Nakano é um dos fundadores e presidente da ONG. Ele conta que, há mais de uma década, foi convidado a participar de um projeto que precisava de um profissional que operasse catarata com qualidade técnica e tivesse disponibilidade para atuar na Amazônia. Com o tempo, Nakano se tornou coordenador da equipe de oftalmologia. “Viajei por inúmeros lugares da Amazônia e aprendi bastante”, comenta.
Junto com outros colegas, começou a pensar em um modelo diferente, mais enxuto e sustentável, de atendimento em locais remotos, indo além de cirurgias. No papel foram colocados os gastos, equipamentos necessários e a logística a ser feita. “Naquele projeto, íamos a lugares muito isolados e muitas vezes não conseguíamos fazer o atendimento completo da população”, explica Nakano. “Decidimos montar uma nova ONG com o objetivo de ser mais sustentável e oferecer um trabalho mais global, abrangendo de crianças até idosos, também com foco em prevenção e educação. A ideia era fazer um trabalho mais continuado”, conta o oftalmologista. 
Com isso em mente, Nakano e o engenheiro Frank Hida, vice-presidente da AMDAF, começaram a conversar com as lideranças indígenas.  A experiência adquirida em outros projetos, não só na parte médica como também nas áreas fiscal, contábil, jurídica e administrativa, levou a associação a ser montada em tempo recorde. 
Assim foi realizada a primeira ação no Parque Indígena do Xingu. “Resolvemos atender a área todo do Xingu que é do tamanho da Bélgica. São cerca de oito mil habitantes que vivem em muitas aldeias separadas e há muito para se resolver, desde as coisas mais básicas até as mais complexas”, diz Nakano. O presidente da ONG comenta que em dois anos e meio foram percorridos 60% da área do Xingu. 
O vice-presidente da AMDAF, Frank Hida, conta que no primeiro ano a associação realizou quatro expedições voltadas à população do Parque Indígena do Xingu. “Com as primeiras visitações foi possível constatar de imediato a importância do trabalho que estava sendo iniciado ali”, diz. “E o trabalho foi ganhando cada vez mais força e representatividade nas comunidades. Oftalmologistas, clínicos gerais, dentistas, tecnólogos, entre outros tantos profissionais voluntários se dispuseram a dedicar alguns dias durante o ano para conhecer, entender e atender as necessidades das aldeias que estavam sendo visitadas”, aponta Hida.
Além das consultas, a ONG passou também a entregar óculos. “Quanto maior era o número de atendimentos aumentava também a vontade de aprender mais sobre a cultura deles, o modo de vida, as crenças, os medos e as fragilidades, para que assim pudéssemos de fato contribuir para a melhoria daquelas comunidades por vezes esquecidas”, comenta o engenheiro.
O trabalho da Associação também chegou ao povo Xavante, no Mato Grosso, e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. No início de maio, por exemplo, a Associação Médicos da Floresta conduziu atendimentos à população da Terra Indígena Raposa Serra do Sol que permitiram a realização de exames como acuidade visual, teste de refração, biometria e exames clínicos. As ações duram cerca de uma semana, exceto quando envolvem cirurgia, quando acontecem durante 15 dias. 

Parceria
Os bons resultados do trabalho da Médicos da Floresta repercutiu no Ministério da Saúde. No início de junho, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, firmou uma parceria com a associação com o objetivo de ampliar a oferta de tratamentos de oftalmologia e odontologia para indígenas de regiões longínquas. Em comunicado divulgado pelo SESAI, a secretária especial de saúde indígena, Sílvia Waiãpi, destacou a importância dessa parceria: “Com uniões como essa e a nossa determinação em servir, vamos avançando, para conquistar mais dignidade para os povos da floresta”.
Para garantir a execução dos serviços nos territórios indígenas, a SESAI organiza toda a logística necessária, como o transporte de equipamentos, a acomodação e a alimentação dos profissionais envolvidos. Já a Associação Médicos da Floresta fica responsável pelos equipamentos médicos, insumos e toda a mão de obra médica especializada e voluntária que realizará os tratamentos oftalmológicos e odontológicos aos indígenas.
Futuro próximo
O vice-presidente da AMDAF comenta alguns pontos a serem conquistados nos próximos anos. Entre eles, aumentar o número de atendimentos, expandir a área de atuação da ONG desenvolvendo ações em todos os estados do Brasil, capacitar voluntários para fazer a triagem inicial nas regiões atendidas pelos projetos (agentes indígenas locais), realizar cinco missões ou mais por ano, e contribuir efetivamente para a missão – Visão 2020, uma iniciativa conjunta da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Agência Internacional de Prevenção de Cegueira (IAPB).
Além disso, até 2020 a Médicos da Floresta pretende entregar mais de dois mil óculos, totalizar cinco mil consultas e 500 cirurgias de catarata e pterígio. “Também queremos disseminar o nosso maior legado que é atender pessoas que provavelmente não teriam acesso aos procedimentos oferecidos. Mostrar que é difícil, mas não impossível. Que a ação em detrimento da justificativa ou apontamento de culpa gera transformação”, relata Frank Hida. “Acreditamos que Energia + Disposição + Organização = Novos Sonhos e Perspectivas , conta.
Como é participar de um projeto tão envolvente como a AMDAF? Segundo os fundadores, é extremamente gratificante, tanto pessoal como profissionalmente. Celso Nakano explica que nas regiões onde a associação atua, os casos são sempre muito avançados. “As etnias têm peculiaridades que tornam a cirurgia muito difícil. E nesse contexto é muito gratificante porque é preciso tirar cartas da manga. Do ponto de vista técnico tem de fazer coisas que não é qualquer um que faria”, conta. “O projeto faz muita diferença e transforma a vida de muita gente”, completa. 
Para Frank Hida, em meio a tantas descobertas e a constatação de necessidades reais, os resultados obtidos dava a certeza de estar no caminho certo. “Conversar com um índio que não estava enxergando e após exames e cirurgia ou após receber um óculos voltar a enxergar, a trabalhar, e a recuperar sua auto-estima perante a comunidade é sem dúvida emocionante e gratificante”, finaliza o vice-presidente da AMDAF.
Balanço
Nesses três anos de atuação da Associação Médicos da Floresta foram realizadas 12 ações que resultaram em:
– 5.381 atendimentos oftalmológicos;
– 2.152 atendimentos de clínica médica;
– 1.800 óculos entregues;
– 115 cirurgias de catarata e pterígios;
– 1.515 procedimentos odontológicos
Liderança
Por causa de questões logísticas e de custos, a AMDAF faz, em média, cinco ações por ano. Apesar de ajudar muitas pessoas, ainda ficam muitas precisando de atendimento.
Para replicar o modelo da ONG, um curso que visa formar lideranças começará durante o 63º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, que acontece entre 4 e 7 de setembro no Rio de Janeiro (RJ). O curso de atualização tem duração de um ano. “Queremos desenvolver líderes em várias áreas e transmitir um dos pilares da organização, que é o de um modelo enxuto e sustentável”, aponta o oftalmologista Celso Nakano. 

Fonte: Universo Visual

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