Cleide Guimarães Machado – Doutora em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da USP; Médica Assistente do Serviço de Retina e Vítreo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
A retinopatia diabética tem um grande impacto nos sistemas de saúde no mundo. É a principal causa de cegueira que se pode prevenir na população economicamente ativa.
Estima-se que em 2.030 haverá 552 milhões de diabéticos, o que corresponde a quase 10% da população adulta (1) e desse total 191 milhões terão retinopatia diabética, sendo que em 56,3 milhões haverá comprometimento visual.
O edema macular diabético (EMD) é frequentemente a causa primária de perda visual na retinopatia diabética (RD) acompanhado da neovascularização retiniana, que define a retinopatia diabética proliferativa (RDP) e suas complicações. A história natural da retinopatia diabética não proliferativa (RDNP), muitas vezes consiste numa piora lenta e inexorável com etapas características e bem definidas. O nível de severidade da RD, observado através de fotos coloridas, estereoscópicas de sete campos do fundo de olho é classificado por uma escala de gravidade estandardizada pelo Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETDRS), conhecida como DRSS (diabetic retinopathy severity score)(2). A avaliação da progressão nessa escala até a franca neovascularização permite avaliar a efetividade de novas terapias que podem bloquear essa progressão ou até revertê-la.
O primeiro método de tratamento das complicações visuais do diabetes é o controle dos fatores de risco, incluindo o controle glicêmico, o tratamento da hipertensão arterial associada e a regulação dos níveis lipídicos. Entretanto, esses métodos são frequentemente insuficientes para controlar a retinopatia diabética e o edema macular diabético (EMD).
Em 1985 o ETDRS demonstrou o benefício da fotocoagulação a laser para tratar o EMD, mas seu principal efeito era a redução da perda visual, sendo que poucos olhos ganhavam visão (3). Com o advento dos agentes farmacológicos intravítreos, o prognóstico do EMD mudou da estabilização para a melhora visual.
Vários inibidores do VEGF são usados clinicamente para tratar o EMD, incluindo o ranibizumabe (Lucentis), bevacizumabe (Avastin) e o aflibercept (Eylea).
Estudos prospectivos, randomizados e controlados avaliaram a eficiência dos anti-VEGF para o tratamento do EMD, de modo que hoje eles constituem a primeira linha de tratamento do EMD. Foram eles, o RIDE/RISE (4) e Protocolo I (DRCR.net) (5) para o ranibizumabe, o BOLT (6) para o bevacizumab e o VIVID/VISTA(7) para o aflibercept.
O protocolo T (8) foi um estudo realizado pelo DRCR.net comparando a eficácia e segurança do bevacizumabe, ranibizumabe e aflibercept no tratamento do EMD e concluiu que a escolha depende da acuidade visual (AV) no baseline. Enquanto o aflibercept seria a escolha para os pacientes com AV pior ou igual a 20/50 no primeiro ano do tratamento, no segundo ano o aflibercept se igualou ao ranibizumabe. Embora a diferença de ganho visual entre o aflibercept e o bevacizumabe ao final do segundo ano seja estatisticamente significativa, ela é clinicamente pouco relevante. As três drogas são igualmente eficientes para AV inicial melhor do que 20/50. Todas são seguras e o bevacizumabe tem um custo muito menor.
Os esteróides são importantes no nosso armamentário de drogas para tratar o EMD, mas como segunda escolha por causa de seus efeitos colaterais, particularmente o aumento da PIO e a catarata. Estão indicados nos pacientes que não respondem aos anti-VEGF e podem ser considerados primeira linha em pacientes com história recente de eventos cárdio-vasculares graves ou gravidez. São preferíveis em pseudofácicos (9).
Uma análise exploratória do estudo RIDE/RISE (10) mostrou que após 24 meses de injeções mensais de ranibizumabe para o tratamento do EMD, a progressão da RD (definida como a piora de 2 ou 3 estágios da escala DRSS) foi significativamente reduzida nos olhos tratados com ranibizumabe quando comparados com os controles. Além disso, uma regressão da RD (definida como a melhora de 2 ou 3 estágios) foi significativamente mais provável nos olhos tratados com ranibizumabe. Os olhos do grupo controle tiveram uma probabilidade de 33,8% de progressão da RD em dois anos contra 11% dos olhos do grupo tratado com ranibizumabe. Nos pacientes que no baseline apresentavam RDNP grave ou menor, a proporção de olhos com melhora de dois ou mais estágios foi de 7% no grupo controle e 47% nos olhos que receberam ranibizumabe. Além disso, houve uma redução na necessidade de panfotocoagulação e de vitrectomia para tratar as complicações da RDP nos olhos que receberam ranibizumabe.
Os pacientes do grupo controle tiveram três vezes mais risco de desenvolver RDP do que os tratados com ranibizumabe (10).
Também há outros relatos de um retardo na progressão da RD com o uso de outros agentes antiangiogênicos e esteróides (7,11, 12).
No estudo VISTA/VIVID (7) que tratou o EMD com aflibercept, o resultado de dois anos mostrou que os pacientes tratados com aflibercept tiveram aproximadamente três vezes mais chance de melhorar dois ou mais estágios na DRSS do que os tratados com laser.
O Protocolo I, conduzido pelo DRCR.net (Diabetic Retinopathy Clinical Research Network), avaliou o tratamento de EMD com ranibizumabe associado a laser imediato ou após 6 meses e comparou esses olhos com o tratamento a laser ou com triancinolona (5). Nos grupos que receberam ranibizumabe houve uma melhora na retinopatia pelo DRSS no decorrer dos 5 anos do estudo, a despeito da redução no número de injeções necessárias para tratar o edema de mácula (11).
No protocolo T, após 1 e 2 anos, os olhos com RDNP recebendo anti-VEGF para tratar o EMD melhoraram a gravidade da retinopatia e tiveram baixas taxas de piora (13).
Em que fase da retinopatia de base a intervenção resulta em maior impacto?
Uma metanálise dos estudos clínicos controlados e randomizados envolvendo ranibizumabe em olhos com retinopatia diabética (RISE/RIDE, Protocolo I DRCR.net e Protocolo T DRCR.net)(14) demonstrou que mais de um terço dos olhos que receberam ranibizumabe melhoraram dois ou mais estágios no DRSS em 1 ou 2 anos. Quando os pacientes foram estratificados pela retinopatia de base, os maiores índices de melhora ocorreram nos olhos com RDNP moderadamente grave/grave, com 63% e 73% desses pacientes apresentando uma melhora significativa de dois ou mais estágios nos anos 1 e 2 respectivamente, o que sugere que o tratamento com anti-VEGF intra-vítreo deve ser considerado nessas fases para prevenir o desenvolvimento da RDP que ameaça a visão.
Quantas injeções são necessárias para reverter a retinopatia?
Nos estudos pivotais RISE/RIDE(4) e Protocolo T(8) foram realizadas injeções mensais enquanto persistia o edema de mácula e a seguir conforme a recorrência do edema. Já o estudo PANORAMA(15) aplicou um esquema de injeções menos frequentes e, portanto, mais próximas da vida real.
PANORAMA(15) é um estudo prospectivo, controlado para avaliar a redução das complicações da RD que ameaçam a visão bem como avaliar a redução de incidência do EMD em pacientes com RD não proliferativa moderadamente grave e grave tratados com aflibercept a cada 8 ou 16 semanas após um período inicial de doses mensais de ataque. Após 1 ano houve uma redução na gravidade da RD de 2 estágios em 65 a 80% dos pacientes tratados contra 15% dos que receberam injeção simulada. O grupo que recebeu a medicação também teve uma redução nas complicações que ameaçam a visão (RDP e neovascularização do segmento anterior) da ordem de mais de 80% e uma redução do EMD de cerca de 70%, comparada a injeção simulada.
A frequência de injeções a cada 8 ou 16 semanas é mais próxima da vida real, muito diferente dos protocolos de injeções mensais e promoveu uma redução nas complicações que provocam perda de visão semelhante aos estudos pivotais. Esse estudo sugere que a RD pode ser reduzida com tratamentos com menor frequência de injeções. Entretanto, esses são os resultados iniciais de um estudo em andamento.
Os resultados desses estudos com aflibercept não podem ser transpostos para os outros anti-angiogêncicos, mas as semelhanças nos resultados terapêuticos já demonstrados pelo protocolo T e por muitos outros estudos, sugerem que os resultados serão similares, embora exijam comprovação.
Quanto tempo é necessário para melhorar a retinopatia diabética?
Nos estudos RISE/RIDE(4), VIVID/VISTA(7) e no Protocolo T(8) a melhora na retinopatia de base ocorreu após 12 meses de tratamento, mas a análise do estudo READ-3 (16) mostrou que a melhora de 2 ou mais estágios do DRSS começou a ocorrer em 3 meses e em 6 meses atingiu uma porcentagem semelhante aos resultados do VISTA(7) de 12 meses.
E um tratamento exclusivo com drogas anti-VEGF?
Quanto à proposta de um tratamento exclusivo com anti-VEGF para todos os pacientes com RD, deve-se ter em mente a baixa aderência dos pacientes a tratamentos prolongados e que a suspensão abrupta da medicação pode levar à rápida progressão da doença com consequências devastadoras para a visão(17). Alem disso, ainda é necessária uma avaliação rigorosa dos riscos e do custo/benefício de tal protocolo de tratamento.
Recomendação
Assim como o estudo PANORAMA, o DRCR.net se propôs a avaliar se o uso mais precoce e menos frequente de anti-angiogênicos (no caso, o afliberceprt) terá um resultado semelhante ao dos estudos aqui descritos, na redução da progressão da RD e se essa evolução anatômica favorável resultará em melhores resultados visuais. Trata-se do Protocolo W (18), patrocinado pela Regeneron® e por instituições públicas de saúde americanas. O objetivo é demonstrar se o tratamento com aflibercept intra-vítreo é efetivo e seguro para reduzir o aparecimento da RDP e do edema macular em olhos com alto risco de desenvolver essas complicações, mas ainda sem perda visual (RDNP grave Figura 1, com acuidade visual 20/25 ou melhor), e assim estabelecer uma nova estratégia de prevenção das complicações do diabetes que ameaçam a visão. A primeira fase termina em 2.020 e a previsão de finalização total do estudo é para 2.022.
Até a finalização do Protocolo W e do estudo PANORAMA, devemos aguardar com cautela porque os estudos prévios apontam apenas evidências, sem respostas definitivas, já que não foram desenhados para esse fim. No entanto, a perspectiva de mudança na evolução das complicações da retinopatia diabética é motivo de grande entusiasmo.
Referências bibliográficas
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6. Michaelides M, Kaines A, Hamilton RD, et al. A prospective randomized trial of intravitreal bevacizumab or laser therapy in the management of diabetic macular edema (BOLT Study): 12 month data: report 2. Ophthalmology. 2010;117:1078e86
7. Brown DM, Schmidt-Erfurth U, Do DV, et al. Intravitreal aflibercept for diabetic macular edema: 100-week results from the VISTA and VIVID studies. Ophthalmology. 2015;122(10):2044-2052.
8. Wells JA, Glassman AR, Ayala AR, Jampol LM, Bressler NM, Bressler SB, Brucker AJ, Ferris FL, Hampton GR, Jhaveri C, Melia M, Beck RW: Aflibercept, bevacizumab, or ranibizumab for diabetic macular edema: two year results from a comparative effectiveness randomized clinical trial. Ophthalmology 2016; 123: 1351 1359.
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18. Intravitreous Anti-Vascular Endothelial Growth Factor Treatment for Prevention of Vision Threatening Diabetic Retinopathy in Eyes at High Risk (Protocol W). ClinicalTrials.gov, Identifier: NCT02634333
Fonte: Universo Visual