Jeanete Herzberg – administradora de empresas graduada e pós-graduada pela EAESP/FGV. Autora do livro “Sociedade e Sucessão em Clínicas Médicas”.
A maior parte da minha vida profissional estive envolvida na prestação de consultoria empresarial nos mais diversos segmentos e portes de empresa, atuando na administração financeiras, questões societárias e de sucessão, estratégia e na gestão do negócio. Nos últimos 15 anos foquei minha atuação e estudos na gestão de clínicas e consultórios, que se enquadram como pequenas e médias empresas na área da saúde.
Em conversas com amigos médicos e dentistas, sempre ouvi sobre comportamentos recorrentes dos pacientes que não seguem sequer as recomendações mais básicas. Há aqueles que não usam fio dental, por mais enfático que o dentista seja; os que não se protegem devidamente do sol mesmos alertados pelos dermatologistas e apesar da seriedade dos riscos que estão sujeitos, como o desenvolvimento de um câncer de pele por exemplo; os teimosos que mantém alimentação desregrada contrariando o nutricionista… E em festas de aniversário, não é raro ouvir esses profissionais dizerem que “pacientes são todos iguais . Claro que não são, mas a expressão tem a sua razão de ser: a experiência desses profissionais, percebendo os comportamentos recorrentes de não se preocuparem com a saúde apesar de não fazer sentido, não ser racional.
No meu caso, os meus “pacientes” são as clínicas e consultórios, cuja saúde é o objeto do meu trabalho. E as vezes penso: clientes são todos iguais! Mesmo diante de alertas cruciais de riscos importantes, que ameaçam a sobrevivência do negócio, o “paciente não altera seu comportamento nem toma medidas cabíveis.
Há alguns anos, incomodada com essa realidade, comecei a estudar uma forma de mostrar aos consultórios e clínicas que seu comportamento se assemelha ao de seus pacientes, cuja irracionalidade eles percebem com clareza. Surgiu a ideia de desenvolver indicadores de mercado para esse segmento. Afinal de contas, com resultados de exames, com estatísticas claras, como poderá ser refutada a realidade?
Porém, notei duas barreiras quase intransponíveis:
1 – alta resistência em obter e analisar as informações sensíveis do negócio. Diferentemente de outros setores produtivos, é comum as clínicas e consultórios não contarem com indicadores amplos e específicos e poucos acompanham e mudam seu comportamento diante do desempenho de faturamento, resultados, custos, investimentos.
Certa vez, em uma palestra num congresso médico, com mais de 100 pessoas em sala, perguntei quem enviava ao contador o extrato bancário da pessoa jurídica e cerca de 90% disse que não enviava. Concluí que eles não tinham contabilidade e controle, em decorrência disso. O mais engraçado, porém, foi que uma pessoa respondeu sem pestanejar “Eu que não vou deixar o contador saber o que eu tenho na conta! . Hoje em dia, com declarações de IR digitalizadas, tanto de Pessoa Jurídica como Pessoa Física, movimentações financeiras digitalizadas e controladas pelo Banco Central, não dá mais para achar que o governo e/ou o contador não sabem o quanto você tem! E mais, será que esse médico está fazendo o controle mais adequado do que o próprio profissional da área?
2 – falta de confiabilidade das informações. Conceitos básicos de gestão e finanças não são tão claros e aplicados nesses negócios. Por sinal, há bastante relutância em aceitar que as atividades de clínicas e consultórios sejam negócios. Os mecanismos de controles financeiros são precários, tornando as informações pouco consistentes.
É muito comum a Interact receber consultas para avaliar se a clínica está ou não tendo lucro. Há casos em que o cliente diz que a clínica não dá lucro suficiente porque o sócio não consegue retirar uma remuneração que arque com o “custo de vida” da pessoa física. Outro caso, sócios inconformados com o “prejuízo” da clínica, na queixa que me foi feita, mas que, na verdade, todo o lucro tinha sido investido na compra de um grande imóvel, todo mobiliado e equipado com a mais alta tecnologia, tudo pago pela clínica. Uma clássica confusão entre lucro e caixa.
Ainda inconformada, e com a ajuda de profissionais de pesquisa, RH e Marketing, a Interact desenvolveu uma forma fácil e rápida para avaliar a saúde da gestão das clínicas e consultórios. Com 10 perguntas de múltipla escolha, sem a necessidade de revelar dados financeiros, com uma abordagem mais conceitual que numérica, contornando o problema da confiabilidade das informações, mas principalmente permitindo identificar a maturidade gerencial.
A premissa central é que se trata de um exame para ser feito pelo próprio paciente. Como medir a própria temperatura: você mesmo coloca o termômetro em baixo do braço, por alguns minutos, e logo depois vê um resultado febril ou não, e de que gravidade. Eis que desse conceito nasceu o TERMÔMETRO DE GESTÃO.
Tratando-se de autoexame, sem acompanhamento de um profissional, e por isso criamos mecanismos para identificar se o paciente estava de fato colocando o termômetro debaixo do braço, da forma correta e no tempo adequado.
Com base nas suas respostas, o respondente além de receber a temperatura medida, da gestão da clínica ou consultório, recebe também indicações de quais áreas precisa melhorar, riscos e oportunidades.
Esse processo não foi rápido. O desenvolvimento levou alguns anos, para validar com o público alvo a linguagem e formato; a parte estatística e de metodologia; conteúdo; tecnologia; testes, etc. Ao final, rodamos um projeto piloto, em parceria com a Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia (SBAO), com quase 100 respondentes de todas as regiões do Brasil.
Os resultados são muito interessantes, e o relatório final do piloto que pode ser acessado pelo link http://interact-consult.com.br/wp-content/uploads/2019/01/termometro-uv-18jan19.pdf, e também estão disponíveis no site da Interact.
Destaco aqui uma conclusão importante e para isso, volto ao início deste artigo: “Paciente é tudo igual”. Notamos dentre os melhores resultados, um alto índice de inconsistências em função de respostas contraditórias. Nossa conclusão é que o paciente não leva a “minha especialidade médica” a de gestão, muito a sério. Afinal, se uma mulher fizer o autoexame para identificar nódulos nos seios), não tem cabimento ignorar caso algo seja detectado, ou ainda fazer exame na maior velocidade, “apenas para inglês ver”.
Fonte: Universo Visual