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Recentemente, foi publicado no jornal britânico The Guardian que uma nova descoberta pode mudar a forma como as inteligências artificiais (IAs) são tratadas dentro da medicina, já que descobriu-se que, no caso de diagnósticos obtidos através da análise de imagens, as IAs existentes no mercado conseguem resultados comparáveis ao de especialistas clínicos. Essa constatação é fruto de uma pesquisa realizada por Alastair, Denniston e Xiaoxuan Liu, pesquisadores ligados ao hospital-escola da Universidade de Birmingham. Ao revisar todos os estudos existentes sobre diagnósticos de imagem feitos por IA, eles concluíram que a tecnologia já consegue diagnosticar pacientes com a mesma qualidade que médicos humanos.
Ao iniciar os trabalhos, os pesquisadores descobriram que atualmente existem mais de 20 mil trabalhos acadêmicos sobre diagnósticos feitos por IA a partir de uma imagem desde 2012 data importante, pois marca o momento em que as tecnologias de deep learning finalmente se estabeleceram com a qualidade desejada. 
O uso de inteligência artificial como auxiliar em diagnósticos já acontece em diversas áreas, seja para detecção por meio de mamografia de lesões que sugerem câncer de mama, ou de lesões vasculares cerebrais, por exemplo. Mas a máquina não trabalha sozinha. 
Para que a IA funcione, é preciso “ensinar o equipamento a executar determinada função. “Para chegar ao ponto de detectar, no caso de oftalmologia, retinopatia diabética, degeneração macular relacionada à idade (DMRI) ou glaucoma, é preciso alimentar o computador com exemplos tanto de normalidades como de doenças , explica Vital Paulino Costa, chefe do setor de glaucoma da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 
Esses programas evoluíram com o tempo. Costa diz que no começo eram usados programas com aprendizagem supervisionada. “Naquela época, nós dizíamos o que é normal ou não. Hoje existe a tendência do próprio computador identificar o que é a doença sem precisar que alguém “diga isso a ele , conta. 
Uma das estratégias usadas em IA é a machine learning, que, basicamente, utiliza algoritmos que reunem números que permitem chegar a um diagnóstico. “Em glaucoma, por exemplo, há dados numéricos do campo visual e das espessuras das camadas de fibras nervosas que ajudam no diagnóstico , aponta o professor. Outra estratégia é o deep learning, rede neural que vai além dos dados numéricos, e utiliza imagens. “O deep learning nutre o computador com imagens de uma retinografia ou das camadas de fibras nervosas de um OCT e com isso se consegue chegar a um diagnóstico , exemplifica. 
Na inteligência artificial, há dois estágios. Um deles é o Computer-Aided Diagnosis, em que o algoritmo funciona como uma segunda opinião e o médico vai dar a palavra final, se é ou não doença e se tem ou não que tratar. Atualmente, isso já acontece. “Hoje a pessoa nutre o programa com algoritmo, com imagem ou dados numéricos de campo visual ou OCT, e esse algoritmo indicará se é ou não glaucoma. Diante dessa opinião, o médico checa os dados, examina os dados clínicos e, baseado nos seus conhecimentos e com a sugestão do computador, chega a um diagnóstico , comenta Costa.
Um segundo estágio é o chamado Automated Computer Diagnosis, em que o computador faz o diagnóstico sozinho. Por enquanto, a IA ainda não chegou neste ponto. De acordo com o chefe de glaucoma da Unicamp, no atual estágio da inteligência artificial, a participação do médico ainda é muito importante e ainda não é possível delegar tudo para a máquina. “O abastecimento é fundamental para se chegar no algoritmo. Os algoritmos hoje estão sendo desenvolvidos com mais e mais informações . 
O médico cita o exemplo de um artigo publicado em que foram usadas 284.335 retinografias para treinar a máquina. Ao testar o algoritmo em outros casos, a máquina foi capaz de estimar a idade do paciente com variação de três anos, sexo com área abaixo da curva ROC de 0,97 (essa curva quer dizer Receiver Operating Characteristic e indica a relação entre sensibilidade e especificidade de um método; quando é próxima de 1, o método apresenta altas sensibilidade e especificidade) e se o paciente é tabagista ou não em área curva ROC de 0,72. “Isso mostra onde é possível chegarmos com uma tecnologia dessas”. 
Uso da IA no Brasil
Não precisamos recorrer a levantamentos de fora do país para descobrirmos que a inteligência artificial é uma importante aliada nos diagnósticos. Felizmente, por aqui temos pesquisas importantes. O primeiro trabalho com machine learning que a equipe de Costa na Unicamp publicou usou dados de campo visual e OCT para facilitar o diagnóstico de glaucoma. “Sempre imaginei que a inteligência artificial deveria funcionar como nosso cérebro. Quando fazemos um diagnóstico de glaucoma, reunimos informações sobre o paciente como idade, sexo, antecedente familiar, pressão intraocular, dados estruturais (avaliação do nervo óptico) e funcionais (avaliação do campo visual). Com esse raciocínio, deveríamos alimentar o sistema pelo menos com informações estruturais e funcionais , comenta. Nesse trabalho, que foi tese de mestrado de Fabrício Silva nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia em 2013, o que se fez foi chegar a um algoritmo para diagnóstico de glaucoma baseado em OCT e campo visual. Foram utilizados 110 olhos de 110 participantes e foram incluídos apenas pacientes glaucomatosos com dano leve ou moderado. 
Foram testados 10 algoritmos diferentes e a área abaixo da curva ROC do melhor algoritmo chegou a 0,946. “Isso é bastante importante. A área foi maior que a curva ROC obtida só com OCT e igual à área abaixo da curva ROC obtida só com campo visual , comemora Costa. Mas, segundo ele, esse trabalho tinha um problema. O algoritmo gerado era testado na mesma população. Era preciso testá-lo em nova população. Optou-se então por avaliar a performance do algoritmo existente e de outro criado por Felipe Medeiros, o CSFI (um índice combinado de estrutura e função) e compará-los ao desempenho de três oftalmologistas gerais e três especialistas em glaucoma. Ou seja, o objetivo do trabalho publicado no final do ano passado na renomada Plos One era saber como o machine learning se comportaria em relação a oftalmologistas.
O estudo, que foi Tese de Doutorado do Dr. Leonoardo Shigueoka, trabalhou com um grupo de 124 indivíduos, sendo 58 deles com grau leve e moderado de glaucoma e 66 normais, e chegou a áreas abaixo da curva ROC de 0,931 para o machine learning, 0,948 para o CSFI, 0,921 para os especialistas em glaucoma e 0,879 para os oftalmologistas gerais. “Estatisticamente, observamos que nosso algoritmo tinha desempenho semelhante ao CSFI e aos especialistas em glaucoma e que esses três modelos tinham performance diagnóstica melhor que os oftalmologistas gerais diz Costa. “Esse é um dos primeiros estudos que mostra que a IA é capaz de proporcionar uma capacidade diagnóstica tão boa quanto à de especialistas em glaucoma e superior aos oftalmologistas gerais , conclui. 
Isso sugere que, em locais mais afastados de grandes centros, onde não há especialistas em glaucoma, a IA pode ajudar o oftalmologista geral a fazer o diagnóstico de glaucoma. E a tendência, segundo Costa, é que isso aconteça cada vez mais. “Um dos grandes problemas do glaucoma no mundo todo é o diagnóstico tardio da doença, por vários motivos. Isso ocorre pelo desconhecimento sobre a doença, pelo difícil acesso da população ao oftalmologista, ou, mais raramente, pela não realização do diagnóstico pelo oftalmologista. Em relação à última causa, a Sociedade Brasileira de Glaucoma e o CBO atuam com medidas educativas para combater isso. Mas os dois primeiros fatores não estamos conseguindo abranger , explica. 
E os estudos não param. O próximo projeto encabeçado pelo chefe de glaucoma da Unicamp incluirá, além de camadas de fibras nervosas e OCT, dados a respeito de disco óptico e novos parâmetros visando aprimorar as informações que já são alcançadas. “Há ainda outros projetos interessantes como desenvolvido pelo grupo do Felipe Medeiros, que a partir de retinografias estima o resultado do OCT. O trabalho dele demonstra que ao utilizar a retinografia é possível estimar com grande precisão o OCT do paciente. É outro caminho, que talvez simplifique o diagnóstico do glaucoma por meio de exames mais baratos .
É a medicina brasileira fomentando o uso da inteligência artificial em prol da melhoria do acesso da população a diagnósticos e tratamentos. 

Fonte: Universo Visual

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