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Eduardo Morales – Médico oftalmologista, Especialista em catarata do CBV – Hospital de Olhos
 
Com o avanço da cirurgia de catarata, o objetivo principal deixou de ser a recuperação visual pura e simples, e passou a nos possibilitar fazer uma cirurgia com fins refrativos. Este avanço, aliado às melhorias nas tecnologias das lentes intraoculares, possibilitam, na grande maioria dos casos, a independência quase total dos óculos, tanto de longe como para perto. 
Estas evoluções foram tão significativas que, nos dias atuais, o procedimento está se tornando uma cirurgia personalizada, onde podemos escolher o tipo de lente conforme a necessidade visual do paciente, suas atividades diárias e, até mesmo, mudar o tipo de lente, levando em consideração a altura e o tamanho dos braços de cada indivíduo.
Na minha prática diária, no primeiro contato com o paciente, tento entender suas necessidades, sua dependência dos óculos e o quanto esta dependência atrapalha suas atividades diárias. Nesta primeira consulta descarto também qualquer patologia ocular que possa contraindicar o uso de lentes multifocais (leucomas, ambliopias, pterígios grandes, uveítes etc), e aí solicito exames complementares que incluem topografia corneana (de preferência em mais de um aparelho), microscopia especular de córnea, retinografia, ecobiometria, tomografia de mácula, potencial de visão (PAM) e exame de risco cirúrgico cardiológico e exames laboratoriais.
Com os exames oftalmológicos em mãos, posso determinar se esse paciente tem ou não indicação para o implante de lentes multifocais, se o astigmatismo corneano é importante, tornando-se o uso de lentes tóricas ou não; se o ângulo kappa é grande ou pequeno e avalio também o tamanho da pupila.
Estes dois últimos itens vão influenciar na escolha da lente em relação ao diâmetro do anel central. Lentes com o anel central menores podem levar a uma visão borrada em pacientes com o ângulo kappa muito grande (nos pacientes hipermetropes isto é muito comum). Já a pupila muito pequena pode fazer com que lentes com anéis centrais muito grandes sejam inapropriadas. Pupilas com diâmetro inferior a 2mm devem ser evitadas para lentes multifocais.
A escolha, dentro das possibilidades de multifocalidade, vão recair em lentes trifocais, trifocais tóricas, bifocais, bifocais tóricas e as lentes de foco estendido.
Tratando-se de um paciente jovem, atuante profissionalmente, o ideal é utilizar uma lente trifocal, já que estas vão proporcionar melhor acuidade visual para longe, intermediário e perto, levando a uma maior independência de lentes corretoras para todas as distâncias. 
As lentes trifocais surgiram como uma alternativa melhor às bifocais, uma vez que, nestas, o foco intermediário não é um foco distinto e sim uma “aproximação entre os dois focos, fazendo com que o uso de computadores ou a visualização do painel do carro sejam um pouco cansativos, com uma visão ligeiramente borrada. 
Outra grande vantagem das lentes trifocais é que os pacientes, na maioria das vezes, se queixam menos de halos e glare, que são mais intensos e incomodativos nas lentes bifocais. 
No caso de pacientes mais idosos, cujas atividades na distância intermediária são menos comuns, prefiro utilizar as lentes bifocais, já que, como têm adições diferenciadas, podem ser personalizadas conforme a altura do paciente e a sua atividade preferida. Uma senhora de 80 anos, 1,50m de altura, cujas atividades principais são a costura e ver televisão, vai se beneficiar mais com o implante de uma  lente bifocal com adição de +4,00  dioptrias, com um foco para perto por volta dos 33 cm, enquanto quer que um senhor, também de 80 anos, mas com 1,90m de altura, braços longos, que goste de ler nos intervalos dos programas de televisão, provavelmente ficará mais satisfeito com uma adição de +2,50 ou +3,25 dioptrias, que permitirão uma leitura confortável mais perto dos 50 cm de distância dos olhos. 
As lentes de foco estendido são as mais indicadas, na minha opinião, para pacientes que exercem atividades à noite (motoristas, motociclistas), pilotos de avião e pacientes submetidos previamente a cirurgias refrativas. 
Não existe contraindicação para lentes multifocais em indivíduos previamente operados, seja por cirurgia fotorefrativa como por ceratotomia radial. Mas estes últimos têm que ser muito bem avaliados e, uma vez que a córnea seja relativamente regular, não muito plana e que os cortes realizados sejam pequenos, regulares e preservem a área pupilar, gosto de sugerir uma lente de foco estendido, após esclarecer detalhada e cuidadosamente que os resultados podem ficar comprometidos devido à cirurgia prévia. Nestes casos a relação médico paciente é muito importante e eu faço com que ele assine um consentimento informado especial, no qual todas as implicações na escolha da lente e todos os riscos estão detalhados. Lembro à estes pacientes que somos um time e estamos de acordo com as possibilidades cirúrgicas e os possíveis resultados.
A avaliação das atividades do paciente é de extrema importância nos dias atuais. Cito sempre como exemplo meu irmão, que operei quando ele tinha 56 anos. Ele era hipermétrope de +6,50 dioptrias, com adição de +2,50. Usuário de óculos desde os 7 anos de idade, tem sua profissão e seus hobbies nos computadores. Apesar de ser relativamente brevelíneo (1,68m de altura) e de ter os braços curtos, optei por implantar duas lentes bifocais com adições de +2,50, já que ele está acostumado a passar 10-12 horas por dia em frente a quatro monitores de computador. Com isso, ele passa a maior parte do tempo sem óculos e, quando precisa ler em distâncias menores, usa óculos somente para perto. 
Esta é outra dica importante: sempre informe ao paciente que, independente da lente escolhida, pode haver necessidade de uso de correção para alguma atividade específica. Estando bem informado ele compreenderá que o objetivo principal da cirurgia não é tirar definitivamente os óculos, mas sim deixá-lo mais independente dos mesmos. 
 Temos que deixá-lo ciente também que os cálculos de lentes atuais não são cem por centro precisos e que podem restar graus residuais que necessitem correções com óculos, com cirurgias refrativas, implantes de lentes suplementares ou até mesmo com a troca da lente. Ele deve saber também que estes procedimentos podem ter custos adicionais e que estes custos deverão ser arcados por ele.
Minha rotina cirúrgica é operar primeiramente um olho (o pior ou o não dominante) e, uma semana depois submeter o paciente à cirurgia do outro olho. Mas em casos especiais, pode ser necessário a alteração desta rotina. Por exemplo, em pacientes emétropes, jovens, que gostem de praticar exercícios, dirigir à noite e ler, proponho operar um olho com uma lente de foco estendido (o olho dominante) e espero por volta de 30 dias para avaliar e decidir se vamos operar o outro olho com outra lente de foco estendido ou vamos optar por uma lente trifocal, se ele estiver tendo muita dificuldade para leitura, por exemplo. Já em pacientes com a mesmas características, mas que seja um leitor assíduo, opero primeiro o olho não dominante com uma lente trifocal e reavalio um mês depois. Se ele não estiver se queixando muito de halos e a leitura estiver desconfortável, implanto o mesmo tipo lente no olho contralateral. Se a leitura estiver boa e a visão noturna prejudicada demais, escolho uma lente de foco estendido para o outro olho, o que minimizará as queixas, deixando-o mais satisfeito.
É muito importante que tenhamos conhecimento sobre as lentes e, no meu entendimento, não podemos ficar restritos apenas a um tipo ou marca de lente. Cada lente tem uma característica diferente, cada laboratório opta por extrair da sua lente uma qualidade em prol de uma “deficiência e temos que utilizar estas diferenças a nosso favor. Cada paciente pode necessitar de uma destas características positivas, mesmo sendo impactado de forma negativa por uma deficiência da lente. Cabe a nós pesar o custo-benefício de cada uma das lentes para oferecer ao nosso paciente a melhor opção.
Quando iniciei o implante das lentes bifocais, em 2006, tinha um pouco de receio de implantá-las em alguns pacientes, já que as primeiras lentes apresentavam um alto índice de distorções visuais e os pacientes perdiam, na maioria das vezes, a qualidade de visão noturna e deixavam de dirigir com segurança. Pacientes extremamente exigentes ou aqueles que necessitavam muito de qualidade visual à noite podiam ficar descontentes com o resultado final da cirurgia. Com a evolução das lentes, hoje tenho convicção que existe a lente certa para cada paciente e todos acabam se beneficiando com o uso destas lentes, desde que a lente certa seja escolhida para cada paciente.

Fonte: Universo Visual

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