Pesquisadores da University of Miami Miller School of Medicine identificaram uma possível conexão imunológica entre o papilomavírus humano (HPV) e a Doença Ocular da Tireoide (Thyroid Eye Disease – TED). Segundo o estudo, publicado no JAMA Ophthalmology, o mecanismo pode envolver mimetismo molecular entre proteínas do capsídeo viral do HPV e alvos autoimunes já implicados na TED, como os receptores de IGF-1 (IGF-1R) e de TSH (TSHR). Os autores observaram níveis elevados de anticorpos contra o HPV em pacientes com TED, reforçando a hipótese de um gatilho viral.
A complexidade autoimune da TED e o papel de agentes infecciosos
A TED é uma condição autoimune multifatorial, cujos fatores desencadeantes permanecem parcialmente desconhecidos. Suas manifestações clínicas variam amplamente, incluindo proptose, diplopia, dor orbital, hiperemia conjuntival e ressecamento ocular. Em casos graves, pode haver perda visual permanente em até 5% dos pacientes. A doença acomete cerca de 25% a 50% dos indivíduos com doença de Graves e entre 3% a 5% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto, além de ocorrer, ainda que com menor frequência, em indivíduos eutireoideos ou hipotireoideos — o que sugere a existência de mecanismos imunológicos além da disfunção tireoidiana.
Embora autoanticorpos contra IGF-1R e TSHR estejam entre os principais mediadores conhecidos da TED, casos da doença em pacientes sem disfunção tireoidiana têm levantado hipóteses sobre mimetismo molecular induzido por patógenos. Relatos de TED após infecção por COVID-19 também reforçaram o papel potencial de agentes infecciosos como gatilhos autoimunes.
Detalhes do estudo: análise molecular e sorológica
No estudo, intitulado “Human Papillomavirus and Thyroid Eye Disease”, amostras de tecido adiposo orbitário foram coletadas de 11 pacientes com TED submetidos à cirurgia de descompressão orbitária e de 11 pacientes controle submetidos à blefaroplastia. A média de idade dos participantes foi de 58,6 anos (variando de 37,4 a 74,4), com predominância do sexo feminino (86,4%).
Utilizando a ferramenta BLAST (NCBI), os pesquisadores compararam as sequências de IGF-1R e TSHR com proteomas virais e realizaram testes ELISA para quantificação de IgG contra a proteína L1 do HPV18 nas amostras orbitárias. As leituras de densidade óptica (OD) indicaram os níveis de ligação de anticorpos.
A análise revelou que IGF-1R e TSHR compartilham sequências homólogas com proteínas de capsídeo de várias famílias virais, incluindo Papillomaviridae, Paramyxoviridae, Herpesviridae, Enterovírus, Polyomaviridae e Rhabdoviridae. Dois motivos conservados — FGXV e IXEXT+NP — foram identificados em todos os sorotipos de HPV e nas sequências dos receptores estudados.
Resultados: anticorpos anti-HPV elevados em pacientes com TED
Os níveis médios normalizados de OD foram:
- Grupo controle: 0,94
- TED crônica: aproximadamente 2,31
- TED ativa/aguda: aproximadamente 4,09
Pacientes com TED apresentaram níveis significativamente mais altos de anticorpos contra HPV em comparação aos controles, sendo os maiores valores observados nos casos agudos.
Não foram encontradas correlações entre os níveis de IgG anti-HPV18 L1 e os valores de TSH, FT4 ou TSI. Além disso, intervenções terapêuticas como iodo radioativo, tireoidectomia ou uso de teprotumumabe não impactaram os níveis de anticorpos.
Considerações finais
Os achados sugerem que o mimetismo molecular entre o HPV e receptores autoimunes pode desempenhar um papel no desenvolvimento da TED. A presença elevada de anticorpos contra o capsídeo viral do HPV em pacientes com TED reforça essa possível via imunológica. Embora a amostra seja pequena e não se possa estabelecer causalidade, a associação entre exposição viral e atividade autoimune abre novas possibilidades para a compreensão, diagnóstico e abordagem terapêutica da doença.
Referência:
Garg, I. et al. Human Papillomavirus and Thyroid Eye Disease, JAMA Ophthalmology, 2025. DOI: 10.1001/jamaophthalmol.2025.0847
Fonte: Ophthalmology Breaking News