Por Paulo Schor
Alexandre Chiavegatto Filho, Professor Livre Docente de inteligência artificial na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Em entrevista exclusiva para a Universo Visual, Alexandre Chiavegatto Filho, Professor Livre Docente de inteligência artificial na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, discute o impacto da inteligência artificial na medicina, os desafios éticos e a transformação do papel dos médicos no futuro.
Segundo ele, a inteligência artificial (IA) já deixou de ser uma visão futurista e passou a integrar o cotidiano da medicina. “Suas aplicações vão desde a gestão hospitalar até a otimização de diagnósticos e a personalização de tratamentos”, avalia. Para entender melhor esse cenário e as transformações que ele traz, o editor clínico da Universo Visual, oftalmologista e professor Dr. Paulo Schor entrevistou Alexandre Chiavegatto Filho, docente da Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos principais especialistas em IA aplicada à saúde no Brasil.
No bate-papo, Chiavegatto Filho abordou o estágio atual da IA na medicina, suas limitações, as promessas que ela carrega e os desafios éticos que envolvem seu uso. Além disso, discutiu como os médicos podem se preparar para essa nova era, destacando a importância do entendimento dos princípios da IA e sua integração na prática médica.
Paulo Schor: Alexandre, há alguns anos, falar de IA na saúde parecia coisa de um futuro distante. Hoje, já temos aplicações práticas em hospitais e clínicas. Em que estágio estamos no desenvolvimento dessa tecnologia?
Alexandre Chiavegatto Filho: Estamos ainda na pré-história da inteligência artificial na saúde. Algumas instituições no Brasil já utilizam algoritmos para gestão de recursos humanos e físicos, mas sua presença na prática clínica ainda é incipiente. A IA não é uma entidade fechada e finalizada, mas um conjunto de regras que tomam decisões baseadas em dados. Esses algoritmos estão em constante evolução, assim como a capacidade computacional e a qualidade da coleta de dados. Nos próximos anos, veremos avanços exponenciais.
Schor: Dentro da saúde pública, parece natural que a IA tenha um impacto significativo. O que já está acontecendo nesse campo?
Chiavegatto Filho: A IA pode revolucionar a formulação de políticas públicas. O conceito de “políticas públicas de precisão” segue a lógica da medicina de precisão: identificar as populações que mais se beneficiarão de uma determinada intervenção. Isso envolve um grande problema de predição, no qual a IA tem papel fundamental. Hoje, a maioria das aplicações está na gestão hospitalar, como a previsão de ausência de pacientes em consultas e a alocação de profissionais em UTIs. Mas a próxima grande revolução será na redução da burocracia e, posteriormente, no suporte à prática clínica.
Schor: Na oftalmologia, a IA já tem sido utilizada na análise de imagens de fundo de olho para detectar doenças. Como os médicos podem confiar nessas tecnologias sem vê-las como uma “caixa preta”?
Chiavegatto Filho: Existem duas formas de aumentar a aceitação da IA. A primeira é a comprovação de sua eficácia. Quando os médicos percebem que um sistema está auxiliando na tomada de decisões de maneira confiável, a adoção se torna natural. A segunda é a explicabilidade. Algoritmos que mostram os fatores considerados na análise de risco ou destacam visualmente as áreas de interesse em uma imagem, como os heatmaps na oftalmologia, ganham mais credibilidade. Isso ajuda os médicos a compreenderem e confiarem nas recomendações da IA.
Schor: Muito se fala que os médicos não serão substituídos pela IA, mas sim pelos médicos que souberem utilizá-la. Como você vê essa relação entre médicos e IA no futuro?
Chiavegatto Filho: Eu reformularia essa ideia. Os grandes médicos do futuro serão aqueles que souberem interagir com a IA. Isso não significa que todos precisarão programar, mas entender o funcionamento desses sistemas será um diferencial. A IA não substituirá a intuição clínica, mas será um complemento poderoso, ajudando na triagem, na previsão de complicações e na escolha de tratamentos mais eficazes.
Schor: Você mencionou a importância de os médicos terem um mínimo de conhecimento sobre IA. Como deveria ser a formação médica nesse sentido?
Chiavegatto Filho: Idealmente, as faculdades de medicina deveriam oferecer pelo menos uma disciplina sobre inteligência artificial e análise de dados. Mesmo que o profissional não vá programar no dia a dia, ele precisa entender como funcionam os modelos e como interpretá-los. Isso evita que a IA seja vista como um elemento mágico e permite que os médicos saibam interagir com os cientistas de dados de seus hospitais.
Schor: Um dos grandes desafios da IA na saúde é a questão ética. Quais são os principais riscos e como podemos mitigá-los?
Chiavegatto Filho: O primeiro problema é que os dados utilizados para treinar algoritmos vêm de humanos, e os humanos são historicamente tendenciosos. Se um hospital tem um viés na forma como trata diferentes grupos populacionais, a IA pode replicar esse comportamento. O segundo problema é a representatividade dos dados. Muitos algoritmos são treinados com dados de hospitais de alto padrão, atendendo populações específicas. Se não tivermos cuidado, essas tecnologias podem funcionar melhor para pacientes ricos e pior para pacientes de baixa renda. A solução passa pela diversificação dos dados e pela análise contínua dos vieses dos algoritmos.
Schor: E em relação à posição do Brasil no cenário global de IA aplicada à saúde? Estamos avançados ou ainda temos muito a evoluir?
Chiavegatto Filho: O Brasil tem um potencial gigantesco para liderar essa área. Temos uma diversidade populacional enorme e um sistema de saúde único no mundo, o SUS. Isso nos permite desenvolver algoritmos mais robustos e generalizáveis do que aqueles criados em países com populações mais homogêneas. Além disso, a nossa comunidade científica já tem reconhecimento internacional. Nossos alunos que vão para o exterior frequentemente ensinam mais do que aprendem na área de machine learning. Se conseguirmos superar barreiras como a falta de interoperabilidade dos sistemas e garantir a qualidade dos dados, poderemos exportar soluções inovadoras para o mundo inteiro.
Schor: Excelente, Alexandre. Acho que essa conversa trouxe muitos insights valiosos. Para encerrar, qual seria sua mensagem final para os médicos oftalmologistas que estão acompanhando essa entrevista?
Chiavegatto Filho: Minha mensagem é: não tenham medo da inteligência artificial. Ela não está aqui para substituir o médico, mas para amplificar sua capacidade de oferecer um atendimento melhor. Invistam tempo para entender minimamente como essas tecnologias funcionam e explorem as ferramentas que já estão disponíveis. O futuro da medicina será híbrido, e os profissionais que souberem integrar seu conhecimento clínico com as novas tecnologias terão um diferencial enorme.