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Renato Antunes Schiave Germano – Médico e Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Chefe do Setor de Glaucoma do Hospital das Clínicas da FMUSP;
- Identificação e validação do exame
A análise do campo visual (CV) deve, inicialmente, começar pela checagem das informações do paciente, como nome, idade, refração e tamanho pupilar. Em seguida, pela avaliação da confiabilidade do teste. Idealmente, falsos positivos e negativos devem ser inferiores a 15% e perda de fixação inferior a 20%. Excesso de falso positivo identifica os “trigger happy patients”, que respondem a estímulos não projetados. O tempo de teste também é um índice de confiabilidade importante.
- Importância dos programas e estratégias
A escolha adequada do programa e da estratégia de campo visual é essencial para o diagnóstico e acompanhamento do glaucoma. O programa 24-2 é o mais utilizado e avalia 54 pontos dentro dos 24 graus centrais do campo visual, sendo cada ponto distante 6º entre si. Em casos de glaucoma avançado com acometimento central ou quando há suspeita de glaucoma e o exame 24-2 é normal, o programa 10-2 torna-se fundamental. Este avalia 68 pontos nos 10 graus centrais, sendo cada ponto distante 2º entre sim, proporcionando uma análise detalhada da região próxima à fixação, e podendo detectar defeitos não encontrados com o 24-2. Além disso, o programa 24-2C, que utiliza a estratégia SITA Faster, inclui pontos centrais adicionais, oferecendo um exame mais rápido sem comprometer a acurácia, sendo uma opção valiosa para pacientes com maior dificuldade em realizar testes prolongados.
- Interpretação dos índices globais
Os principais índices globais são: Mean deviation (MD), pattern standard deviation (PSD) e Visual Field Index (VFI). O MD mostra a sensibilidade geral do paciente, enquanto o PSD indica a presença de defeitos localizados e a assimetria dos defeitos do CV. O VFI é um parâmetro relativamente novo de gravidade ajustado em porcentagem. Este índice é derivado do MD e PSD, e pontos centrais tem peso maior. O VFI varia de 0 a 100%.
- Análise do Glaucoma Hemifield Test (GHT)
O GHT compara cinco áreas do hemicampo superior com cinco áreas do hemicampo inferior por meio de imagens em “espelho”. Visa detectar assimetria entre os hemicampos superior e inferior, que é uma das características do glaucoma.
- Atenção à localização e padrões de defeitos
A análise do padrão e localização do defeito é fundamental. Defeitos glaucomatosos devem ser reprodutíveis, correlacionados com os achados do disco óptico e seguirem o padrão de distribuição da camada de fibras nervosas da retina. Padrões típicos de defeitos glaucomatosos incluem degrau nasal, escotomas paracentrais e escotomas arqueados. Defeitos que respeitam a linha vertical podem indicar patologias neurológicas, como compressões quiasmáticas.
- Identificação de artefatos
Artefatos comuns incluem: defeitos superiores devido às pálpebras (Figura 1), defeitos periféricos das bordas das lentes de prova, efeito aprendizado nos exames iniciais, fadiga, dentre outros. Identificar os artefatos é fundamental para evitar o diagnóstico incorreto de defeitos glaucomatosos. Orientar o paciente antes e durante o exame minimiza essas ocorrências.
Figura 1: Artefato causado pelas pálpebras.
- Impacto da catarata
Na maior parte dos casos, pacientes com glaucoma são da mesma faixa etária dos pacientes com catarata. A presença de catarata significativa pode levar a defeitos difusos no gráfico Total Deviation, levando a falsa impressão de defeitos glaucomatosos. Por isso a importância de se avaliar o gráfico Pattern Deviation, que anula o efeito da redução geral da sensibilidade e evita que defeitos localizados sejam mascarados.
- Progressão: como identificar mudanças relevantes
Progressão pode se dar por: aprofundamento de um escotoma existente; alargamento do escotoma; ou o surgimento de novos defeitos. A progressão do CV pode ser avaliada pela análise de eventos (mudanças pontuais em relação ao exame basal), por meio do Glaucoma Progression Analysis (GPA) ou por tendência (taxa de mudança ao longo do tempo), que permite estudar a velocidade de progressão. O GPA pode detectar progressão mais rapidamente em glaucomas iniciais. Para maior acurácia, deve-se combinar as duas formas de análise (Figura 2).
Figura 2: Análise de progressão por eventos (GPA) e tendência.
- Estabelecimento de novo baseline após mudanças no tratamento
Sempre que houver alterações no tratamento do paciente — seja pela introdução de nova medicação ou por intervenção cirúrgica — é fundamental estabelecer um novo exame basal (baseline). Esse novo ponto de partida permite uma avaliação adequada da progressão da doença a partir da nova condição terapêutica. Avaliar a progressão com base em um baseline anterior pode levar a interpretações incorretas.
- Sistemas de classificação e estadiamento do glaucoma pelo CV
Aprender a utilizar os sistemas de classificação dos defeitos campimétricos é fundamental, pois estes permitem: classificar o defeito campimétrico em inicial, moderado ou avançado; ajudam a guiar decisões terapêuticas; permitem estudar progressão; além de uniformizar a linguagem para objetivos clínicos e de pesquisa. Alguns exemplos são o de Hodapp-Parrish-Anderson e o University of Sao Paulo Glaucoma Visual Field Staging System (USP-GVFSS).
10 Pérolas e Armadilhas na Interpretação do Campo Visual no Glaucoma
- Identifique o paciente e valide o exame;
- Escolha o programa e estratégia adequada para o seu objetivo;
- Saiba interpretar os índices globais;
- Analise o Glaucoma Hemifield Test (GHT);
- Atenção à Localização e Padrões de Defeitos;
- Cuidados com os artefatos e saiba como evita-los;
- Avalie os gráficos Total e Pattern Deviation;
- Avalie a existência de progressão;
- Estabeleça um novo exame de base no caso de alguma intervenção terapêutica;
- Saiba utilizar os sistemas de estadiamento de defeitos campimétricos.
Referências bibliográficas
- Anderson DR, Patella YM. Automated Static Perimetry. 2. ed. St Louis: Mosby, 1999.
- Bengtsson B, Heijl A. A visual field index for calculation of glaucoma rate of progression. Am J Ophthalmol. 2008;145(2):343-353.
- Collaborative Normal-Tension Glaucoma Study Group. Comparison of glaucomatous progression between untreated patients with normal-tension glaucoma and patients with therapeutically reduced intraocular pressures. Am J Ophthalmol. 1998; 126(4):487-497.
- Susanna R Jr,VessaniStaging glaucoma patient: why and how? Open Ophthalmol J 2009;17(3):59-64.
- Boden C, Blumenthal EZ, Pascual J, et al. Patterns of glaucomatous visual field progression identified by three progression criteria. Am J Ophthalmol 2004;138(6):1029-36.