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Na segunda parte do Podcast RX Off Label, uma iniciativa que tem como objetivo disseminar conhecimento de última mão, visitas, conversas e muitas informações valiosas, acompanhe o oftalmologista Paulo Schor em seu mês sabático na Inglaterra. Neste episódio, Schor faz um relato sobre o dia em que esteve na companhia de seus amigos brasileiros Eduardo Szaniecki e sua esposa Luciana, já londrinos há décadas, que contam como funciona o NHS (National Health Service), o SUS de Londres.

“Fizemos um brunch com bebidas em um ambiente muito gostoso perto da casa do Dudu, que é um amigo de viagens longas, antigas e de encrencas também. O Dudu tem um pai baiano, eu sou mais ou menos da idade do irmão mais velho dele, e ele tem uma irmã da idade do meu irmão, o que significa que temos uma afinidade familiar bastante grande”, conta o cirurgião, relembrando que Szaniecki fez parte da mesma colônia de férias que a sua. Ele também lembrou de algumas cenas prosaicas da época, como uma festa na casa do amigo, da qual Tom Zé participou. “E aqui nessa casa em Londres, ele tem vários quadros que lembra a Bahia, tem quadro do Carybé muito interessante, é uma casa com sotaque baiano”, comenta.

O oftalmologista revela que Luciana, por sua vez, é filha de grandes amigos de seus pais. “O pai dela tem um mês de diferença do meu pai e ele também esteve nessa tal colônia de férias, que eu vou falar um pouco mais. A avó da Luciana, era muito amiga da minha avó e as duas juntas, com mais algumas mulheres, fundaram uma colônia de férias chamada Kinderland, que é a terra das crianças”, explica o médico. Ele esclarece que, na época, a colônia de férias tinha como uma das missões ser um lugar para que os órfãos da Segunda Guerra Mundial tivessem alguma diversão no Brasil. “Essas mulheres eram judias progressistas e atraíram vários judeus progressistas para essa colônia de férias”, completa.

O especialista afirma que foi nesse lugar que seu pai encontrou sua mãe e que ele, seus irmãos e sua filha também, entre várias outras pessoas, frequentaram o local. “A colônia era uma ação social que elas faziam além do trabalho delas. No caso, essa era a ação primária delas, uma atividade que não era sustentável do ponto de vista financeiro para se manter sem trabalho voluntário, mas era algo que tomava bastante tempo delas e de várias outras senhoras, ressalta, enfatizando ser muito interessante ver uma ação feminina/feminista como esta, tanto que elas fundaram a Associação Feminina Israelita Brasileira, que tem sede no Bom Retiro, em São Paulo. “Hoje é a sede da Casa do Povo há muitas décadas. Eram mulheres corajosas, bravas, guerreiras, idealistas, cada uma delas tem uma árvore plantada nessa colônia de férias”, observa.

A colônia, segundo o oftalmologista, abrigou muitas pessoas, entre as quais o editor-chefe da Veja, a editora de conteúdo da Netflix e os integrantes do Casseta & Planeta. “Muita gente que vocês conhecem passou por esse lugar, que era um espaço de muita criatividade. O Dudu e a Luciana também”, diz, contando que Szaniecki se formou na Unicamp (SP), em psiquiatria, tratando muito de crianças e, atualmente, dedica-se à educação, hábitos e ambiente, abordando os aspectos emocionais das manifestações nas pessoas. “Ele fala que o corpo é medicável, mas as emoções são muito variáveis e não são protocoláveis, que não é possível realizar um protocolo para as emoções”, destaca, informando que Luciana é infectologista e onde ela trabalha em Londres é responsável pela divisão de doenças sexualmente transmissíveis, especificamente o HIV.

O médico conta que a amiga agora está bastante envolvida na varíola do macaco e tem um discurso muito alinhado com a medicina preventiva. “Ela segue a linha de que o segmento e a monitorização constante são as ferramentas mais efetivas para que os surtos consigam ser identificados e, eventualmente, bloqueados. Aqui a gente vê esse afinco muito grande em medidas que controlam as doenças antes delas se manifestarem em nível populacional. Isso envolve muita gente, muito dinheiro, uma constância nas ações e precisa ser bastante firme”, pontua, relembrando um dos trabalhos iniciais que fez quando ainda estava na faculdade em Ribeirão Preto (SP), quando teve um surto de conjuntivite epidêmica em Cravinhos, cidade próxima a Ribeirão. “E lá fomos nós, eu e mais dois colegas, para verificar esse surto, orientados por pediatras e preventivistas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto”, acrescenta.

Schor afirma que eles detectaram os casos e identificaram os contactantes, e conversavam com eles de tempos em tempos para verificar se havia mais gente contaminada e para saber como esses casos iniciais estavam. “Dessa forma, a gente consegue mapear geograficamente um surto”, destaca, esclarecendo que saiu recentemente um artigo na revista Nature, falando de uma questão parecida com essa, de como a tecnologia vem ajudando as pessoas na pandemia da Covid-19, que fazendo coletas de água com microesferas, com uma sensibilidade muito maior do que os testes de PCR – e isso foi desenvolvido ao longo dos últimos dois anos -, consegue-se ver até com três semanas antes do aparecimento dos sintomas na clínica quais são as cepas e o subtipos da Covid que irão aparecer. “Essa é uma ferramenta tecnológica de prevenção e monitoramento muito importante”, analisa o especialista.

Ele comentou, ainda, que no dia seguinte iria conversar com um pesquisador brasileiro que está em Londres e trabalha com evidências do mundo real. “Também um assunto muito interessante, isso quer dizer que as pesquisas clínicas que são feitas para colocar os medicamentos no sistema de saúde precisam continuar sendo vigiadas para verificar se o que foi visto em pacientes controlados continua sendo observado nos pacientes de um modo geral”, esclarece o cirurgião, destacando que essa discussão toda traz à tona a ciência como um método com ação social, resultando em uma possível melhoria da qualidade de vida de muitas pessoas. “E aqui eu discuto muito a prática do ‘para um ou para todos’, mas principalmente com uma sustentabilidade no modelo do SUS e do NHS, que temos hoje no Brasil e que está sendo muito bombardeado”, observa.

Sobre isso, Schor salienta que é preciso ter muita clareza em relação a quanto é necessário ter de financiamento e se é sustentável. “Isso significa que se consegue efetivamente dar tudo o que é preciso para todas as pessoas? Já falei sobre isso em algumas outras ocasiões, mas será que a gente consegue e pode dar tudo para todo mundo ou precisamos fazer uma escolha? E quem vai fazer essa escolha?”, questiona o médico. Para ele, essa é uma pergunta de um milhão de dólares e não há uma resposta, entretanto, ele diz que é importante as pessoas se fazerem essa pergunta. “E aí eu quase acabo trazendo a discussão de protocolos versus personalização. O Dudu fala que os protocolos são muito factíveis em doenças que a gente conhece muito bem, nas quais há níveis de evidência bastante elaborados. Já na personalização não, tem doenças emocionais, casos que são muito diferentes etc.”, afirma.

“Quando temos o acolhimento envolvido, há uma personalização e a gente não escala, nós só escalamos quando tem menos humanidade envolvida e isso acaba sendo cruel, porque quando há uma escala menor, atingimos menos pessoas, cuidamos de menos gente e temos o desafio de escalar a humanidade”, continua o especialista, enfatizando que faria uma visita também em uma incubadora social que está próxima de uma comunidade local e de uma universidade. “O desafio lá é como é possível manter um arranjo, levando solução relevante para a comunidade afetada de um modo que, provavelmente, já está mapeado por ela, mas que, eventualmente, será trabalhado pela academia, mas que a gente vê tendo a necessidade de manter a academia muito perto de onde as pessoas estão”, aponta.

Na opinião do cirurgião, essa é uma solução que tem que ser muito mais vista. “A gente chama um pouco isso de inovação social que, para mim, significa ver as práticas que têm dado certo para aquela comunidade, ouvindo-a, respeitando-a e trazendo eventualmente algum brilho tecnológico, alguma adição de valor. Precisamos ver como funciona o mecanismo de monitoramento das doenças naquela população, o que funciona para aqueles indivíduos, quem eles aceitam, para quem eles estão acostumados a abrir o coração, se para o líder comunitário, para os familiares ou para ninguém, e junto colocar uma ferramenta tecnológica”, explica, ponderando que esse casamento da humanização localizada geograficamente, referenciada, com ferramentas tecnológicas pode ser uma solução interessante. “E isso é um pouco do que eu tenho visto aqui na Inglaterra. Até a próxima!”, conclui Schor.

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