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Por Sabrina Duran
Os traços e cores marcantes de artistas como Pablo Picasso, Edvard Munch, Van Gogh, Claude Monet e Francis Picabia podem ajudar na criação de novas formas de visualização de exames oftalmológicos, auxiliando o aprendizado nas faculdades de medicina e também a compreensão dos exames pelo público leigo. A novidade, que segue em desenvolvimento, nasceu de um experimento do estatístico e cientista de dados João Victor Dias, que utilizou a técnica de inteligência artificial Style Transfer em uma tomografia de coerência óptica (OCT). Com a técnica, Dias pôde transpor os traços e cores de obras específicas de artistas plásticos conhecidos para a OCT de um paciente. O resultado, além das belas imagens formadas, “pode ser útil para ressaltar alguns aspectos como nódulos, máculas e outros itens que talvez não tenham despertado interesse em uma análise rápida”, explica Dias. Ele adianta que detalhes técnicos da experiência e o retorno de sua aplicação no campo da oftalmologia serão apresentados em futuros papers.
Formado pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), vinculada ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Dias foi convidado a colaborar com o GeekVision, grupo de pesquisa transdisciplinar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), liderado pelo oftalmologista Pedro Carlos Carricondo. Além do experimento com Style Transfer e OCT, Dias tem desenvolvido aplicativos, intercâmbio de cientistas brasileiros e estrangeiros, além de outras atividades e projetos em parceria com médicos, designers, estatísticos, químicos e engenheiros que fazem parte do GeekVision. “Dentro da área da saúde, o meu interesse em oftalmologia foi procurar colaborar no aumento da qualidade de estudos, visto que outras áreas da medicina, como cardiologia, neurologia e pneumologia já possuem grandes avanços neste aspecto”, diz o cientista.
Dias já vinha testando a técnica Style Transfer em outras imagens, como as de axônio e mielina, além de ressonâncias magnéticas do coração e do cérebro. “Fiquei curioso para ver o resultado em uma OCT, pois não conheço trabalhos na área da oftalmologia com esta técnica. Eu esperava encontrar não somente belas OCTs estilizadas, mas possíveis aplicações para campanhas preventivas, com grande impacto visual ao público leigo. Os primeiros resultados foram muito interessantes. Na OCT de buraco macular, por exemplo, ocorreu um destaque de cores vivas no centro da retina, promovendo um intuitivo destaque das máculas. Com os resultados obtidos confirmei o possível envio para concursos internacionais e o uso destas para campanhas de conscientização de importantes doenças oftalmológicas”, contou o estatístico.
De acordo com ele, um dos desafios do trabalho foi procurar obras específicas de artistas como Picasso, Munch e Picabia que resultassem na melhor transferência de estilo. “Utilizei obras de pintores famosos e com estilos bem marcantes, já conhecidos na literatura deste tema. Creio que para ressaltar detalhes das imagens, as obras com cores vivas podem ser mais apropriadas. Ainda estou em busca dos melhores estilos artísticos. Em breve lançarei no meu blog mais imagens sobre o assunto”, adianta Dias. Outro desafio foi utilizar a técnica Style Transfer em um notebook com configurações modestas, e conseguir refinar o modelo do experimento para focar em aspectos que não fossem puramente estéticos, mas que ajudassem na análise da imagem. “O método aplicado pode ser utilizado tanto em um computador (CPU) com configurações modestas quanto em placas de vídeo de grande poder de processamento (GPU) para imagens de altíssima resolução processadas em tempo real”, explica o estatístico.
 

A imagemoct_rain_princess.jpgusa o estilo da obra: Rain Princess, Leonid Afremov

A imagemoct_scream.jpgusa o estilo da obra: The Scream, Edvard Munch, 1893

 

A imagemoct_wreck.jpgusa o estilo da obra:The Shipwreck of the Minotaur,Joseph Mallord William Turner, 1805

Style Transfer e redes neurais profundas 
A técnica Style Transfer é um algoritmo, espécie de receita para se executar uma tarefa de redes neurais profundas que aprende os padrões de estilo de pintores de arte fina e os reproduz com alta qualidade de percepção artística na estilização de imagens. A teoria desta técnica foi desenvolvida por Leon A. Gatys, Alexander S. Ecker e Matthias Bethge, e divulgada em 26 de agosto de 2015 no artigo “A Neural Algorithm Style”.
Dias descreve o Style Transfer como a criação de uma imagem com o mesmo conteúdo de uma imagem-base, mas com o estilo de uma imagem diferente. “Por exemplo: a imagem A é a foto de um cachorro; a imagem B é a pintura de um peixe. Usando o conteúdo da imagem A (o cachorro), com o estilo da imagem B (as escamas do peixe), podemos produzir uma imagem C, que será um cachorro com escamas”.
Já o termo redes neurais profundas é definido por Dias como um conjunto específico de algoritmos no campo do Aprendizado de Máquina aplicados em algumas áreas, como Processamento de Linguagem Natural, Visão Computacional, entre outras. “O termo profundo vem do uso de mais de uma camada oculta na arquitetura das redes neurais. Em outras palavras, é um modo de transformar uma grande quantidade de dados, rotulados por pessoas, em um software que pode automaticamente rotular outros dados do mesmo modo que os humanos fariam. As redes neurais profundas são excelentes com dados perceptuais , como imagens, vídeo e som. Um exemplo: considere uma grande quantidade de imagens pertencentes às classes olho, nariz, boca etc. O Aprendizado Profundo seria a criação de um sistema que compreende como associar novas imagens às classes já estabelecidas, aprendendo somente dos exemplos, sem a necessidade de intervenção humana”.
Para além dos benefícios que a aplicação da técnica Style Transfer em imagens oftalmológicas pode gerar à especialidade médica, Dias aponta dois desafios para a apropriação da ferramenta: lidar com a parte da programação para profissionais não especializados na área, e aplicar o método abstrato para a criação de produtos reais. “É importante ter a consciência de que estamos em plena quarta revolução industrial, onde os saberes se misturam e o futuro tecnológico depende de um olhar aberto e inclusivo para outras áreas da ciência que fogem à formação inicial do pesquisador”, finaliza o estatístico.

Fonte: Universo Visual

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